ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O PADRE E O CEGUINHO (O CASO DA VENDA DE CONFISSÕES)
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Quem me contou esse “causo’ jurou por tudo na vida que realmente aconteceu, e não num tempo distante, mas há poucos dias atrás e numa cidadezinha interiorana nos arredores do sertão maior.
Segundo me contou o homem – que aliás já era um tanto velho para ser gratuitamente desacreditado -, na cidadezinha interiorana havia um velho padre desde muito tomando conta dos destinos daquela paróquia. Já pensava em se aposentar, porém sem ter meios suficientes para o bon vivant, resolveu fazer um acordo escabroso com o ceguinho que vivia pedindo esmolas à porta da matriz.
No interior, na capital e em todo lugar, é impensável existir capela, igreja ou catedral sem mendigo na porta, seja esfarrapado, doente ou cego. Mendigo faz parte da cultura religiosa e sua presença parece ter a mesma função da beata, do coroinha e do sacristão. Pois bem, na matriz daquela cidade havia um desses pedintes com assento certo há mais de vinte anos.
Com todo esse tempo de lugar, mesmo se dizendo cego de nascença, enxergava muito bem e aquilo que não via logo imaginava maldosamente. Conhecia todo mundo que entrava e saía da igreja, como se comportavam as beatas, o que vestiam e o que conversavam, e tantas vezes ficando até mesmo envergonhado com as safadezas que via e ouvia. Na sua cegueira mentirosa não passava nada, se constituindo no maior conhecedor da vida alheia.
Mantinha um costume que era pura safadeza e desonestidade, verdadeiro pecado porque praticado na porta do templo cristão. Consistia este em contar fofocas, em troca de nota mais graúda, a quem se dispusesse a estender a mão, abaixar um pouco a cabeça e saber tudo sobre o alheio. Então a pessoa colocava o dinheiro na sua mão e em seguida chegava mais perto para ouvir as coisas mais cabeludas que podiam existir.
As traições, as mocinhas que tomaram remédio para desengravidar, as boiolices da rapaziada, as raparigagens desenfreadas, e tudo o mais de maculoso que pudesse existir ele tomava conhecimento e repassava como fofoca em troca de dinheiro. Acontece que com tanta gente errando, fazendo safadeza, vivendo indignamente, as pessoas deixaram de se interessar pelas fofocagens, até por medo de terem os seus nomes citados.
Entristecido porque estavam rareando as interessadas pelos seus serviços, o ceguinho aproveitou a passagem do padre e chamou-o para dizer que estava se despedindo da mendicância. E explicou os motivos. Os olhos do padre se arregalaram, sem encheram de interesse, e então o velho homem da igreja passou a ver aquele momento como verdadeiro milagre para multiplicação dos seus parcos ganhos. Então propôs uma sociedade com o mentiroso do ceguinho.
Que acordo mais pecaminoso, safado, asqueroso, este que foi celebrado entre os dois. Pelos termos acordados, o padre ouviria as pecadoras em confissão e repassaria todos os detalhes para o ceguinho. Então caberia a este, tendo fofocas graúdas aos ouvidos, vendê-las a preço bom, pois sabia que não faltaria freguesia para saber dos podres de quem se dizia tão honrada e inocente.
O lucro com as fofocas teria de ser dividido entre os dois, mas sendo oitenta por cento para o padre e apenas vinte para o ceguinho. Este não gostou muito desse acerto, mas como já receberia tudo de mão beijada resolveu aceitar. Mas só até o dia seguinte, pois recebeu cinco notas para contar uma fofoca e contou sobre o próprio padre. E disse que o homem era ladrão por isso e aquilo.
Chegando essa conversa aos ouvidos do sacerdote, o ceguinho foi prontamente excomungado e teve que sair correndo da cidade, mas não sem antes gritar que a mulher do prefeito tinha um caso com o delegado.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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