ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: DUAS VELHAS, MÃE E FILHA
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Molecote corredor de meio de rua cheia de pedra e espinho na cidadezinha interiorana onde nasci, ainda lembro como se fosse hoje das duas velhinhas que moravam numa casinha que ficava esquina com esquina com a casa da minha avó materna, onde eu quase residia.
Moravam somente as duas velhinhas, mãe e filha, e quem as visse de perto ou de longe nem sabia distinguir direito qual a mais velha ou a mais nova. Muita gente pensava que eram irmãs e por muito tempo também pensei.
Eram famosas pelos chás medicinais que costumavam fazer para curar todos os tipos de doenças. Ora, aqueles tempos eram tempos de quintais, de galinhas ciscando nos arredores, de ervas medicinais tendo seu lugar certo como cultivo. Mastruço, hortelã, erva-cidreira e tantas outras cheirosas e tão eficazes.
Mas a fama delas era mesma a de exímias preparadoras de um tipo de papa rala, demasiadamente condimentada e também medicinal, conhecida como pará. Quando elas estavam preparando tão diferente caldo em panelas de barro, dava pra sentir um cheiro quente, bem temperado, ainda no meio da rua.
Mesmo que já tivesse a oportunidade de experimentar muitas vezes o pará, creio que a verdadeira receita, a original e cheia de pequenas porções de um tudo, foi enterrada com as duas velhinhas. Outros continuaram fazendo e ainda hoje se metem a arriscar a receita, porém nem chegando perto do sabor e do cheiro do pará daqueles tempos idos.
Tenho certeza que minha avó sabia de cor todos os ingredientes da verdadeira receita. Às vezes ela mesma se inventava na cozinha e me trazia aquele prato fumegante que era certeza de uma suadeira danada. E depois dizia que era assim mesmo, pois o suor respingando estava afastando do corpo tudo que fosse ruim. Acredito que ela tinha razão. Dona Marieta, Dona Marieta, em qual sombra eternamente repousa minha avó?
Nem vou passar por perto, mas creio que a receita continha farinha de mandioca peneirada, água, sal a gosto, além de muita pimenta do reino e gengibre. Com certeza era enriquecido com mais coisas, mas não lembro não. E então jogava tudo isso numa panela de barro e a levava ao fogo de lenha, mexendo sempre, sem parar. Não durava muito e o caldo começava a engrossar, os temperos exalavam fortemente e as borbulhas sinalizavam que já estava em ponto de ser servido.
Mas voltando às duas velhinhas, verdade é que contavam muitas estórias sobre elas. Mas certa vez ouvi dizer que a mãe, já caducando pela idade avançada demais, começou a dar a benção à filha. E a filha chegava a chorar, tentando mimar sua querida criança.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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