UMA VELHA CANÇÃO DE FOGO E DE LUA
Rangel Alves da Costa*
Noite, e o açoite do vento espalha pelo ar o pó e a folhagem. Logo mais a chamará estará acesa, a labareda subirá pelo ar e a noite não será mais assim tão negrume.
A lua veio e sumiu, escondeu o seu luarado de fogo, luminoso igual à chama que deverá brotar e a labareda que aquecerá a melodia que ainda continua por trás das montanhas.
Qual será a melodia que chegará trazida pelo vento? Não quero ouvir mais sonata de dor e de sofrimento; meu silêncio não suporta ser quebrado pela tocata solenemente entristecida.
Quero uma valsa, talvez um prelúdio suavemente surgido no canto das cigarras que se escondem dentro dos meus cabelos; que venho um noturno sim, ardentemente canção que queime e devore mais que a chama e a labareda.
Se a lua pudesse ouvir essa melodia que vem não ficaria mais tão sozinho. Dizem que a lua dança um dançar de fogo e de paixão, queimando por dentro o seu par e depois jogando suas cinzas amorosamente tão amadas nas águas inexistentes do mar.
Queria um mar aqui, um mar tão agora aqui. A fogueira que começa a crepitar adiante não estaria estendida por cima do meu corpo nu, mas em cima do leito rasinho da água. E a fogueira totalmente molhada, de chamas lacrimejando, encharcadas, não arderia tanto.
Mas tenho outro mar em mim que posso estender por baixo e por cima da fogueira. Assim que a melodia dobrar a curva da montanha e trouxer na sua cauda a saudade que quero ter, então serei mar imenso no olhar.
Quero e sei que não posso colocar a fogueira por cima do mar. O mar sou eu, correndo nos meus olhos, e a fogueira também sou, queimando dentro de mim. Se minha boca me engolisse apagaria a chama, se meus olhos fechassem acabariam o mar.
Acabando fogueira e mar me tornaria somente deserto. Um deserto de chão rachado, solitário, ardente, quente, enegrecido de não se ver nada adiante, apenas a lua que surgiria novamente lá em cima.
Seria bom que a lua não retornasse do seu misterioso passeio. O negrume do deserto pode ser amedrontador, esconder motivos cortantes por todo lugar, mas ainda não deu o seu grito de desespero. E é melhor um deserto negro do que luarado e dolorido.
Pena que sou também o deserto, e como terra vazia, chão aridamente abandonado, também não poderia ser seu habitante. E se eu fosse tuaregue seria muito pior, pois na escuridão encontraria um caminho seguro em busca do oásis adiante.
A dor maior está no oásis adiante. O tuaregue acha que há um oásis adiante, caminha na certeza de encontrá-lo, vai sedento e amante, para nada. O oásis não existe mais, tudo secou, tudo está terrivelmente ausente.
Não, não adianta sonhar. Se o que resta é o fogo aceso, a chama que brota e a labareda que ainda virá, então é por essa estrada que devo caminhar. Mas é preciso não deixar que a fogueira adormeça, que mais tarde vá perdendo sua chama e apague.
Se a lua ainda está escondida, deixar morrer a fogueira seria também o meu fim. Não há como esquecer que a lua escondida sou eu, a fogueira sou, o amor inexistente sou eu, e também a chama, a labareda e a água.
Preciso será jogar mais lenha à fogueira, povoá-la de mais garranchos e troncos, açoitá-la outra vez com os longos cabelos esvoaçantes do vento que sopra. Mas onde poderei encontrar mais lenha, mais folhagens secas, mais garranchos e troncos, restos que alimentem a fogueira?
Em mim, dentro de mim, ao meu redor, no meu olho, na minha pele, na minha veia, no meu coração. Sou eu os restos que impedirão que a fogueira apague, que o fogo evanesça, que a chama extinga.
Pensei que o feito seria outro, mas me jogo dentro de mim, que sou fogueira, e morro lentamente até virar cinzas. E de repente, quando tudo estiver escurecido novamente, eis que a lua aparece dizendo que o resto do universo é todo de solidão.
Mas a lua sou eu, na solidão que também sou eu...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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