ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: GATA MARISCA NO CIO
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
No meu pernoitar pelo sertão, dormindo debaixo da lua e amanhecendo colhendo em louvor a alvorada, fiz descobertas incríveis, coisa de sarapantar como diria Macunaíma. E uma dessas, que agora me veio à memória e vou tentar relatar, envolveu uma bicharada safada demais.
Aquela gata marisca estava no cio, só podia estar. Desfilando toda cheia de leveza, com pelo limpo e brilhoso, cheia de olhos esverdeados olhando para todos os lados. Andando, parecia em passarela, ora ondulando, ora rebolando maliciosamente. E quando subia nos telhados ou nos troncos ao redor dava um miado que era mais que um chamado para a festa do acasalamento.
O problema é que ali não havia gato nenhum, qualquer felino macho que lhe encobrisse de segredos gateados, de beijos bichanos e afagos azunhentos. Só havia mesmo cachorro, papagaio, galinha, passarinho, galo, jegue, coelho, cabrito e rato. E pelo que vi nenhum rato namorava uma cabritinha ou uma cachorra paquerava um jumento.
Tudo bicho diferente demais da gatinha, o que necessariamente seria um fator a ser considerado na solução do seu problema, que era miar de prazer como toda gata gosta e quer na hora do amor. Aliás, já vi muitos miados de gatos. Miado alongado para demarcar território, miado fino quando está com fome, miado agudo quando está assustado. Sem falar no grunhido de enraivecimento.
Mas a gata miava de modo estranho demais, e era como se estivesse falando, gritando, dando psiu, solicitando urgentemente a presença de qualquer animal cheirando o seu lado traseiro. De rabinho sempre levantado, balançando incessantemente ou por vezes apenas erguido feito cordame endurecido, ela se punha a grunhir, a gemer, a fazer miau, miaaau, miaaaaaau, chegando por vezes a dizer au au bem fininho e baixinho.
Juro que tive pena da bichaninha. E que gatinha mais manhosa, mais bonitinha, mais cheirosinha, mais sedosamente encantadora. Mas tive ainda mais pena quando a bichinha, de rabinho ainda levantado, começou a se roçar numa pedra, a buscar prazer no contato com o pedregulho.
Mas em seguida percebi algo ainda mais estranho, pois tive certeza que a pedra estava se mexendo, atendendo aos apelos da bichaninha. E só tive a certeza que não era uma pedra, mas um cágado, quando vi os dois, a gatinha e a tartaruga, saírem felizes, apressados e de mãos dadas, em direção ao mato fechado adiante.
E tantos gemidos agataiados, tantos miaus prazerosos, que quase não tive mais sossego pelo resto do dia.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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