ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: VOVÓ ENTRE O AMOR E O TEMOR
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Numa longínqua, mas prazerosa e bucólica cidadezinha interiorana morava uma vovó viúva, mulher solitária, cuja felicidade maior da vida residia em receber os netinhos aos finais de semana. Mas por outro lado...
Por outro lado, essa mesma felicidade pelo amor que nutria pelos netinhos era sempre duramente arranhada pelas malvadezas infantis que aprontavam pra cima da pobre velhinha. Assim, ao mesmo tempo em que se enchia de contentamento ao se aproximar o instante da chegada deles, se apossava dos maiores temores que uma indefesa vovó podia ter.
Mas que netinhos lindos, inteligentes, astutos, sabidos demais para a idade, carinhosos demais quando queriam, mas também uns pestinhas, danadinhos até dizer chega, repentinamente dispostos a colocar a pobre velhinha nas situações mais constrangedoras e até dolorosas que podiam existir.
Moradores numa cidade vizinha, assim que chegavam à casa da avó começava a festa. Beijos e abraços pra todo lado, carinhos e carícias, um encantamento de lado a lado. E logo a velhinha começava a falar sobre as surpresas que havia preparado e que eram quase as mesmas de cada visita.
E dizia que se continuassem comportados como haviam chegado, assim calmos e amorosos, a vovó prometia dar bolo de leite e de ovos, biscoitinhos de nata e de mel, suco de graviola e de mangaba, uma torta gostosa de abacaxi, além de outras gostosuras que havia preparado.
E não se esquecia da boneca de pano que havia costurado pra netinha, uma casinha de madeira que havia mandado fazer, um diadema de concha do mar que havia encomendado. E para ele um cavalo de pau lindamente talhado, com crina e tudo, uma peteca novinha adquirida na feira e um pacote de bolas de gude. Sabia que ele queria ganhar um carrinho de madeira, mas o que havia encontrado tinha pneu de borracha. Ficaria pra depois.
Após experimentarem alguns doces, coisa pouca pra não perder o apetite, e fazer festa com os presentinhos, começava o dilema da pobre vovó. E esse era o momento que ela tanto temia, mas que sabia que mais cedo ou mais tarde iria começar. Já sabendo demais do que poderia ser vítima, fazia o possível para evitar o pior. Mas...
Mas parece que não tinha jeito mesmo. O danado do neto colocava espinho na cadeira que ela iria sentar, se agachava escondidinho e amarrava as duas sandálias, enchia a cabeça de cabelo branquinho com pó de café, colocava cigarra bem dentro do bolso de sua saia. A menina era mais danada ainda, pois forçava que ela experimentasse bala que deixava a boca toda arroxeada, colocava cola embaixo da chinela, amarrava a ponta da saia no pé da cadeira.
E por vezes ela perdia as estribeiras, gritava, tentava correr atrás, ameaçava dar chineladas. E nesses momentos os dois danadinhos, espertos demais, fingiam uma tristeza infinita. Tudo pelo perdão e o dengo. E que dengo gostoso, e a comilança melhor ainda.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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