ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: DE ARREPIAR
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Nas minhas andanças matutas, lá pelas brenhas do meu pé de serra interiorano, ouvindo a voz da sabedoria cabocla e as conversas interessantes e cheias de singeleza, certa vez ouvi da boca de um velho algo completamente diferente do que costumavam prosear.
Pra me contar esse causo, que segundo ele era mais que verdadeiro, me chamou debaixo de um pau onde não fosse atrapalhado por outras pessoas. Ademais, dizia que se não acreditavam, então era melhor que nem ouvissem. Mas interessado demais, pedi pra que contasse detalhadamente. E então ele começou:
“Pra muito e muito tempo atrás, coisa de lá vai muitos anos, aconteceu por aqui uma história das mais esquisitas, coisa de arrepiar mesmo. Quando eu era mais novo nem gostava de falar sobre isso, pois tinha um medo de me pelar, e só com o tempo fui entendendo mais desses mistérios da vida e da morte e me acostumando com o que havia se passado.
Pois bem, meu filho. Dizem que tudo aconteceu quando um meninotezinho foi caçar passarinho perto da casinha onde morava. A família era só ele, seu pai e sua mãe, que só vivia doente demais. Interrompendo a caçada, o menino voltou correndo pra contar um acontecido à sua mãe.
Entrando na casinha foi logo dizendo que tinha encontrado no mato uma parenta dela, prima segundo a moça, de nome Leontília, e que tinha perguntado quando era que ela ia, pois já estavam esperando.
A mãe tomou um susto que quase cai da cadeira. Perguntou ao filho como era essa moça e ele disse que era assim e assado, mas que parecia mesmo era com uma defunta. E a mãe não teve dúvida de que a falecida prima havia aparecido para o seu filho. E ficou num desespero que só.
No outro dia o menino saiu de novo sem nem dizer aonde ia e se embrenhou pelos quintais em busca de fruta madura. E de repente se deparou com um homem que disse ser muito conhecido de sua mãe, pois era tio dela, mandando um recado que aprontasse logo a mala porque a viagem já estava marcada.
Quando o menino contou a história à mãe, esta, já adoecida, ficou sem um pingo de sangue na face, se tremendo toda de quase nem poder falar. Perguntou como era o homem e o menino deu todas as características, mas disse novamente que parecia ter saído de uma cova. Tio Bastião, morto há muito tempo, disse a mulher a si mesma. E teve a certeza que ia morrer e não tinha jeito.
No outro dia ela mesma chamou seu menino e pediu pra que ele fosse caçar passarinho ou fazer o que quisesse pela mataria, mas que se encontrasse alguém perguntando por ela e dizendo que era parente ou conhecido, que respondesse que tinha ido até a igreja prestar contas de sua vida a Deus e dizer que somente a ele pertencia o seu destino.
Assim, quando o menino entrou na mata logo apareceram os dois que ele já havia avistado, estando agora acompanhados de outra pessoa. Nem perguntaram mais por sua mãe, apenas disseram que iam até sua casa chamar ela pra viajar, pois já havia chegado seu momento de partir.
Então o menino olhou pra face fantasmagórica de cada um e perguntou qual deles era Deus. Os mortos se olharam, baixaram a cabeça, e depois de um grito estarrecedor se dissiparam em meio a uma poeira enegrecida.
E depois disso a mulher retomou a saúde e só morreu velhinha. Sei disso porque ela era minha mãe e o menino sou eu”. Completou o velho.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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