ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: AS VISÕES DO CEGUINHO
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Quem achar que estou mentindo, inventando ou coisa parecida, então que ache por conta própria, pois o acontecido que vou relatar agora me asseguraram que realmente ocorreu lá pelas bandas dos pés de serra sertão adentro.
Não havia sido doença nem nada que tivesse acontecido depois do menino crescido. O rapazote era cego de nascença mesmo, já tendo vindo ao mundo sem ver a luz do dia e nesse breu doloroso passou a viver daí em diante.
O nome dele era... Ora, mas deixe isso pra lá. Todo mundo o chamava de ceguinho mesmo, então pronto. Era ceguinho pra cá e ceguinho pra lá, e ceguinho que era assim também ficou conhecido. Mas alguém de negrume no olhar que parecia ver muito mais do que certas pessoas na cidadezinha onde morava.
Verdade é que o ceguinho só andava com um pequeno bastão para ir ciscando por onde passava sem estar derrubando tudo pela frente. Mesmo rapazote, a mãe gostava de dar comida na boca, vestir sua roupa e guiar nas suas necessidades. Passeavam juntos e davam longas caminhadas pelos arredores do lugar. O problema é que toda vez que descrevia uma paisagem, um passarinho, alguma coisa bonita, começava a chorar porque o seu filho não podia compartilhar daquelas visões.
Mas o ceguinho tinha outras visões, e somente aos poucos isso foi sendo descoberto, ainda que inicialmente ninguém acreditasse. Era realmente difícil compreender porque uma pessoa nascida completamente cega e assim permanecesse, pudesse, por exemplo, apontar pra uma loca de pedra e dizer que ali tinha uma cobra preparando o bote.
Sentado na cadeira de balanço colocada na calçada de casa ao entardecer, apenas ouvindo o barulho das reinações dos meninos jogando bola, muitas vezes gritava que um espinho havia furado a bola, que a trava do lado esquerdo estava maior do que a do lado direito, que tivessem cuidado com a roupa limpinha que fulana acabava de estender no varal.
Os meninos ouviam e ficavam sorrindo, zombando, até perceberem que tudo se confirmava. Um dia, após a brincadeira de bola, um dos garotos que estava mais que cismado com aquela história de o ceguinho estar vendo as coisas, decidiu ir até a calçada conversar um pouquinho com ele.
Chegou até ele, se apresentou, disse o nome e de quem era filho e perguntou se podia sentar ali um pouquinho, vez que precisava tirar uma dúvida muito importante. Assim, que o garoto ia sentar o ceguinho pediu para ficar do outro lado porque o chão estava sujo naquele lugar. E estava mesmo. O garoto olhou e ficou um tanto espantado. Em seguida foi logo dizendo que era sobre isso mesmo que queria falar. Então perguntou como ele podia ver as coisas se era cego.
E o ceguinho respondeu que não via nada, apenas sentia que as coisas aconteciam. E de volta perguntou pra que servia eles enxergarem tão bem dos dois olhos se não querem ver quase nada do que acontece ao redor.
Inusitadamente o menino respondeu que achava que era assim porque eles ainda não tinham aprendido a enxergar com os sentimentos.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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