ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: NO CORAÇÃO DA FLORESTA
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Os velhos senhores que habitam nas entranhas das matas e com as selvas possuem uma relação verdadeiramente familiar, não se cansam de afirmar que aquele vasto e imenso mundo formado por bicho, água, mato e outros seres, é da mesma feição dos humanos.
Afirmam em alto e bom som, com a sabedoria dos tempos e da vivência que lhes são peculiares, que a floresta é afeiçoada a gente, possui o corpo e o semblante de gente. E isto porque possui veias nos leitos dos rios, organismos nos seus habitantes e até pele no espaço que a rodeia.
Possui olhos nos olhos dos seres quadrúpedes e rastejantes, possui faro, possui tato, possui audição. Nada acontece ali ou ao redor que a floresta não sinta e não veja. Basta a aproximação do estranho, do caçador, do explorador, para que ela imediatamente reaja. Os bichos se alvoroçam, as folhagens tremem, as pedras pedem silêncio, os seres encantados se entocam. E o pobre mateiro, aquele que sobrevive numa velha choça bem no centro de sua vida, logo começa a esperar o pior.
E espera o pior porque já se foi o tempo em que a floresta era vista com respeito e compartilhamento, como aquela mesa imensa e repleta de tudo, mas que não podia ser devorada de uma só vez. Teve gente que entendeu assim, que entregou sua vida ao convívio com a mata e com o que ela desse, numa relação cordial de irmãos. Por lá fez moradia ao lado das seringueiras, na beirada do rio piscento, fazendo amizade com cobra, macaco e planta.
Mas outros não. Passado o tempo em que o caminho da mata era o caminho da vida, da subsistência e da sobrevivência, chegou o tempo da abertura de picadas, da derrubada de árvores para abrir passagem para os exploradores e suas motosserras, suas máquinas famintas, seus ódios contra toda forma de natureza.
Por causa destes é que a natureza verdejante e cheia de vida ficou ameaçada. Por mais que tenha forças para fazer renascer tantas coisas, nada na vida seria capaz de ter seiva suficiente para se regenerar diante dos incêndios intermináveis na mata, da extinção de espécies, do envenenamento de rios. E nessa desleal e covarde disputa, engana-se todo aquele explorador que achar que a mesa estará sempre farta. Tudo tem o seu tempo, tudo tem os seus dias...
E por causa dessa temerosa situação em que se encontra a natureza é que faz brotar como nunca outra parte de ser humano que a floresta também possui: sentimento. E tal sentimento é visível no olhar assustado dos bichos, no seu medo e na sua dor na hora da morte.
E está presente na árvore centenária que chora seiva de sangue ao ser cortada pela máquina faminta; está nos rios que perdem sua noção de ser, sua temporalidade de encher e normalizar, seu curso e percurso, e muitos até já sumiram; está no ar que não consegue mais respirar por causa da fumaça; está no sofrimento de cada ser da mata que nem se reconhece mais no seu habitat.
E por isso tanta dor e tanto sofrer no coração da floresta.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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