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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A ÁRVORE DA VIDA

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A ÁRVORE DA VIDA

                                          Rangel Alves da Costa*



Conto o que me contaram...
Essa prosa é das mais verdadeiras, fato realmente acontecido lá pelas brenhas sertanejas do deus-dará. Conheço muito lugar assim, bonito demais, porém esquecido que só.
Quem me contou não era de lorota nem de conversinha, mas senhor valoroso pela sua honradez caipira. Mais de oitenta, com quase cem anos, mas de uma lucidez e prazer por um proseado impressionantes.
Certa feita encontrei esse senhor ao entardecer, sentado num banquinho debaixo de uma tamarineira, local e momento reservados a conversar consigo mesmo e com o vento e com as boas e tristes recordações.
Dei boa tarde, pedi licença para sentar por ali e nem respondeu direito e já veio dizendo que tinha acabado de lembrar-se de uma história muito interessante, perguntando ainda se eu tinha interesse de ouvir. Mas era tudo que mais queria, e sem ele perceber liguei meu gravadorzinho de bolso. Então ele começou:
“Aqui mesmo nesse lugar, num tempo que nem o tempo se lembra mais, quando a mataria tomava conta de quase tudo e as casinhas se contavam no dedo, pois poucas famílias se atreviam a morar nesse fim de mundo, aconteceu um fato de grande estranheza.
Bem no meio de onde hoje é esse coreto de praça havia uma árvore imensa, uma baraúna de tronco tão enlarguecido que pessoa alguma podia abarcá-la num abraço. Não se sabe bem porque, mas a verdade é que essa velha baraúna aos poucos foi tomando mais importância do que mesmo o lugar. Ganhou fama demais, todo mundo só falava nela, aqui e mais adiante. Mas talvez até se encontre uma explicação pra tudo isso.
A baraúna não só dava sombra e cama aos viajantes cansados como servia de quarto de repouso também para seus animais. Os bichos ficavam tão contentes debaixo dela que nem precisa amarrar para não fugir. Os viajantes deitavam ali cansados, mas sempre tinham tempo de sonhar sonhos bons e todos eles como se a baraúna estivesse falando com eles. Siga adiante, mas faça isso e não faça aquilo se quiser me ver novamente. Era o que a danada dizia a todo mundo.
Mas não era só isso não, pois o seu tronco passou a servir também como espécie de oratório, como uma igrejinha a céu aberto aonde todo mundo ia até lá se ajoelhar, rezar, fazer suas promessas ou simplesmente conversar com Deus, com os anjos e os santos. Batizado se dava ali, casamento também. Cavando a terra perto do tronco, as donzelas enterravam bilhetes aflitos pedindo namorado, pequenos objetos daquele que sonhava casar, roupa de baixo e de cima, coisa de duvidar.
Queriam fazer ali também de cemitério, mas não deixaram, afirmando ser árvore da vida e não da morte. Porém mais de vez velaram pessoas debaixo dela, choraram a dor da partida e da saudade. E já depois surgiu uma história dizendo que se os casais fossem namorar ali debaixo era certeza de findar em casamento. E depois disso não cabia de gente, a qualquer hora do dia, se abraçando e se beijando.
Mas ultrapassaram os limites e fizeram da sombra enluarada da baraúna verdadeira cama de safadeza. Ela não gostou nada disso e começou a entristecer, enfraquecer demais, perder suas forças. Mas um dia chegou por lá um casal sorridente levando nos braços um menininho que era a coisa mais linda do mundo. Disse que já que tinha sido feito ali, então que a baraúna desse a benção e se sentisse como madrinha dali em diante.
E que alegria no coração da árvore. Mas já estava velha demais para tanta felicidade. E nem chegou à próxima estação.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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