ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ENCONTREM O GRANDE DEUS!
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Dizem que numa tribo distante, lá nos recantos mais longínquos e até então inacessíveis da região amazônica, vivia um povo nativo passando por grande aflição.
Onde tudo era fartura, paz e tranqüilidade, até de repente começou a faltar alimento, escassear os animais que serviam como alimentação, as chuvas pareciam não surtir mais efeito sobre as plantações que secavam e murchavam, intrigas entre os nativos se tornaram constantes, as mulheres e os homens viviam cabisbaixos nos seus cantos sem saber o que fazer.
Durante alguns dias o grande cacique da tribo se manteve silencioso. Via tudo acontecer mas não dizia nada, apenas caminhando pelos arredores da aldeia, observando o leito do rio, estudando a formação das nuvens, experimentando o sabor da chuva que caía, olhando fixamente para a copa das árvores.
Numa manhã, assim que retornou pra sua maloca ainda na madrugada, vez que havia passado toda a noite no meio do mato fazendo oferendas e conversando com os seres da floresta, o cacique logo avistou um grande número de índios diante de sua morada.
Já sabia o que eles faziam ali. E também conhecia a razão que eles tinham em querer saber do seu grande chefe o que iria fazer diante daquela situação catastrófica, insustentável. Por isso mesmo apenas levantou a mão e já conhecendo tal gesto todos sentaram ao chão, em círculo, deixando o grande líder em pé ao centro.
O cacique olhou ao redor, mirando cada um no seu olho, depois balançou os chocalhos e outros instrumentos que levava à mão, fez círculos pelo ar, e em seguida, apontando para a copa das árvores, disse: “Encontrem o grande Deus!”.
“O grande Deus da criação?”, perguntou um. E o velho cacique respondeu:
“Não, pois este já vive e está entre nós, mas o grande Deus da natureza!”.
“O uiavaru, o tacorimã, o muiramu?”, perguntou outro. E o velho cacique respondeu:
“Não, o grande Deus do canto e do entristecimento”.
“A pedra grande do rio que grita e que chora?”, perguntou outro. E o velho cacique respondeu:
“Não, o grande Deus que voa na alegria e se esconde na tristeza”.
“O Deus passarinho?”, perguntou um pequenino índio que havia chegado ali sem ninguém perceber. E o grande cacique, num misto de espanto e contentamento, respondeu:
“Bem-vindo pequeno Iamaru, bem-vinda seja a sua sabedoria, muito mais aguçada do que muitos adultos. Este mesmo, este grande Deus, o Deus passarinho. Vão, se apressem, encontrem o grande Deus passarinho!”.
“Mas velha sabedoria das florestas, como ir procurar o grande Deus passarinho se a mata está cheia de passarinhos? Qual deles escolher, grande sábio?”. E o velho cacique respondeu:
“Engano seu, teimoso Moti. Traga um só passarinho, qualquer um, que este será considerado o grande Deus. Parece que você não tem observado a natureza. Há muito que nenhum passarinho voa mais por aqui, não faz seu pouso na copa das árvores. E basta o retorno de um só passarinho para que os outros venham em revoada. E então nossa tribo terá de volta a paz e a felicidade”.
E ouviu-se a voz do menininho: “Nenhum mal suporta a presença, o canto, o voo alegre de um passarinho”.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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