ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: QUENGA VELHA
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Essa é a história de Cabaça Oca, nome de guerra mais recente da velha prostituta que agora vive a lamentar a passagem do tempo, a chegada dos anos. E mais, muito mais...
Nascida Beloures Miraflores, estrangeira chegada ainda novinha ao país, assim que começou no ofício da raparigagem ganhou uma mala de vestido novo do Coronel e o encantador apelido de Jardim das Delícias. Ele, o velho latifundiário raparigueiro, mantedor do luxo da jovem rapariga, se sentia no direito de nomeá-la como quisesse. E até que ela achava atraente ser chamada assim.
O velho bateu as botas e ela foi escorraçada da cidade pela família do defunto. Sem um tostão, se viu forçada a bater às portas do famoso cabaré da Madame Sofie, a maior cafetina que já existiu nesse mundo. Mulher de amizades grã-finas, poderosas e importantes, cuidava com cuidado da galinhagem mais novinha, que aveludava com cuidados para depois oferecer a peso de ouro aos barões e políticos. E assim a jovem prostituta, agora denominada Fogo Ardente, abriu muitas vezes as pernas apenas para a visão aflitiva dos brochas endinheirados.
Passou apenas cinco anos ali, pois na política sexual da velha cafetina, moça com mais de vinte e três já estava envelhecida demais para continuar servindo como aperitivo de alta lucratividade. E teve de sair novamente sem nada, sem nenhum tostão, apenas com o rebolado e a má sina de sua profissão. E foi seguindo de cabaré em cabaré, saindo de um pior para outro prior ainda. E já não tinha escolha, não podia mais escolher cliente nem valorizar o seu corpo. Passou a abrir as pernas por qualquer vintém.
Já sem clientes, passou a ser chamada de Resto de Feira. Um repolho velho, um bago de jaca, uma manga sem serventia, uma banana jogada. Mas fruta sem serventia mesmo, parecendo imprestável até aos olhos dos bêbados e esfomeados do sexo. Queria um afago, não tinha; queria uma companhia, não tinha; queria ser amada uma vez na vida, mas já parecia distante demais do amor. Queria morrer e não morria.
Morando sozinha num quarto que era sala, cozinha, banheiro e tudo, já estava com cinqüenta anos. Exatamente isso, uns setenta anos ou mais. Não cinqüenta ou setenta, mas uns oitenta. Acabada, com as feições envelhecidas, sentava ao entardecer numa cadeira de balanço que colocava debaixo de um pé de tamarineiro e ficava pensando na vida, principalmente no que não tinha feito.
E chamava pelo filho pra tomar banho, gritava pelo esposo dizendo que a comida estava deliciosa na mesa. Dizia que ia preparar doce de coco e bolo de ovos porque dali a pouco as amigas chegariam para conversar amenidades. Arrumava o quarto, a penteadeira, se enchia de perfumes, experimentava os batons presenteados. Limpava a casa toda, colocava música na vitrola, abria as janelas para o ar entrar, cantava alto de felicidade. E que felicidade essa vida.
E que felicidade aquela vida que jamais havia tido. E agora ali, com a insanidade tomando-lhe o pensamento, roubando o juízo, era apenas o resto do resto da Cabaça Oca. Talvez apenas uma mulher e seu destino de solidão.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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