ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: AS ENCOMENDAS DO CORONEL
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Dizem que naquela época do coronelismo mandonista espalhado feito erva daninha nas terras nordestinas, um coronel do Recôncavo, homem de muitos latifúndios, terras sem fim de cacau brilhando feito ouro, fazia prevalecer no luxo do bon vivant seu poder e riqueza.
Mesmo sendo rude de pai e mãe, sem saber escrever uma letra em pé ou deitada, costumava estar rodeado de intelectuais, jornalistas, letrados empobrecidos que viviam se oferecendo para escrever a sua maravilhosa biografia. Mas o coronel nunca quis, sob a desculpa de que tinha segredos que não poderiam ser revelados. E sua história sem tais segredos seria mentirosa.
Depois de mais uma reunião dos letrados na varanda do seu casarão na propriedade-sede, acenou para um daqueles que estavam ali lhe dando a entender que precisava ter com uma conversa com ele em particular, e por isso mesmo se demorasse mais um pouco. Na verdade era um velho amigo que também fazia vezes de agenciador, mandando providenciar os importados que o homem queria ter para seu desfrute.
Quando os demais saíram, mandou que o dito sentasse e perguntou quando o próximo navio rumo a Paris partiria. Antes que o homem respondesse mandou que anotasse o que estava precisando e entregasse nas mãos do próprio capitão do navio, juntamente com um envelope. E que não esquecesse nada, sob pena de não deixar que seu cacau fosse transportado novamente naquela embarcação.
Da lista constavam charutos, caixas de vinho e de uísque, livros novos para sua imensa biblioteca (com títulos em francês), umas duas telas famosas pra botar na parede, muitos metros de linho branco para os impecáveis ternos, chapéus da melhor qualidade, perfumes a perder a conta e mais uma coisa que disse baixinho no ouvido do outro.
E antes que o homem saísse com a lista de encomendas, o coronel lembrou-se de avisá-lo, falando novamente em segredo, que a última encomenda fosse entregue diretamente no castelo de Madame Sofie, o bordel mais famoso que existia em toda região. E cautelosamente disse ao homem que também passasse no castelo da velha cafetina e dissesse que uma encomenda estaria chegando, mas que ela mantivesse trancada sob chaves até que ele dissesse o que fazer com coisas tão preciosas.
Verdade é que o agenciador entregou a lista e o envelope ao capitão do navio, porém esqueceu-se de seguir até o bordel para dar o recado à cafetina. Quando o navio aportou de volta, a primeira coisa que o capitão fez foi providenciar a entrega das encomendas do coronel. Ele mesmo deixou tudo pra resolver depois e seguiu em dois veículos para a propriedade. Numa caminhonete iam as caixas de mercadorias e num carro pequeno seguia ele juntamente com as outras encomendas: três prostitutas francesas.
Como o coronel não estava na residência naquele momento, acabou entregando tudo à sua esposa, uma velha recatada e também cheia de mandonismos. E entregou não só as mercadorias como também as três mocinhas lindas, todas novinhas e cheias de roupas coloridas, pinturas e bijuterias. A velha achou estranha aquela encomenda perfumada, mas pensou que bem poderia ser outra coisa, mais uma das surpresas do seu esposo.
Prontamente arranjou um quarto para as mocinhas e foi pra varanda esperar a chegada do homem. E assim que ele desceu do seu alazão foi logo surpreendido pela velha: Mas você está ficando maluco homem, mandando trazer pra cá três empregadas que só falam francês e são mais pintadas de que aquelas de vida fácil?
O coronel botou a mão no peito e disse as últimas palavras de sua vida: “Minhas rolinhas francesas vieram parar noutra gaiola. Eu sabia que essa mania de raparigagem ia me matar”.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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