*Rangel Alves da Costa
Com sua sabedoria matuta e sua cátedra de
terra seca e flor de mandacaru, a verdade é que Alcino Alves Costa atiçou a ira
de muito acadêmico janota e muito pesquisador que se achava dono de todo
conhecimento do mundo. Alguns renomados escritores não aceitavam - e ainda não
aceitam - que um “vaqueiro da história”, um sertanejo de Poço Redondo, pudesse
ter voz altiva e expusesse com maestria acerca das mentiras, dos mistérios e
dos labirintos do cangaço.
Ora - diziam -, não pode ser acreditada uma
pessoa sem formação acadêmica, sem que tenha pesquisado a partir de métodos
científicos, sem embasamento teórico que fundamente suas conclusões. Diziam,
enfim, que o conhecimento de Alcino não tinha valia porque não era doutor e nem
convivia no mundo acadêmico. Tentavam - e ainda tentam -, como recentemente li
num comentário no Facebook de alguém que se acha o melhor em tudo -
desqualificar totalmente a pessoa de Alcino como pesquisador, escritor e
estudioso do cangaço.
Por que tal ira? Simplesmente porque Alcino
era Alcino. E enquanto Alcino, um autodidata sertanejo das distâncias de Poço
Redondo, soube, ao seu modo, na singeleza da busca e na humildade de quem
sempre quer saber mais porque pouco sabe, construir um cabedal de conhecimento
que confrontava a primazia mesquinha dos doutores. Mesmo tantas vezes
confrontando outros escritos, sua característica maior foi a construção de
teses que ainda acirram os debates. E os doutores não aceitavam que Alcino
fosse capaz de fazer o que fez com maestria.
Inegável que Alcino Alves Costa possuiu uma
formação educacional que não foi além da 5ª série primária. Um dia, estudando
no Manoel Luiz em Aracaju, simplesmente resolveu voltar ao sertão, e voltou. E
nunca mais sentou num banco escolar. Mas se fez doutor no livro maior da vida:
a sabedoria buscada a cada passo. Imagine-se o quanto difícil é uma pessoa
alcançar patamares de conhecimento a partir da escola de seu próprio chão, de
seu povo e sua saga.
Um dia, aos 26 anos de idade, lá pelos idos
de 1966, o autodidata sertanejo foi escolhido nas urnas para ser prefeito. Foi
a primeira das três gestões como administrador de seu berço de nascimento.
Sabendo ler e escrever, ainda que sempre desconfiasse que sua escrita não era
nada correta, lançou mão de um artificio que lhe serviria como salvaguarda daí
em diante: ler e ler muito, e tudo o que lhe chegasse às mãos. Através da
leitura aprimorou sua escrita.
O gosto pela leitura de romances e de
escritos históricos, logo lhe despertou interesse em escrever sobre o seu
próprio povo. E povo não apenas de Poço Redondo, mas também o sertanejo e o
nordestino. Ora, a saga daquele povo era rica demais para não ser descrita em
alguns de seus múltiplos aspectos. Tinha de escrever e o ponto de partida não
poderia ser outro senão o próprio Poço Redondo. E sabia que o seu sertão era
livro tão precioso, já escrito na história, restando somente ser transcrito no
papel.
Olhou sobre seu Poço Redondo e por todo lugar
avistou resquícios do cangaço. Ex-cangaceiros, ex-coiteiros, ex-volantes,
ex-participantes daquela saga instigante, e tudo ali a seu alcance, e
principalmente porque era amigo de todos. Alcino era amigo de Adília, de Sila,
de todos da família Félix e tantos outros que direta ou indiretamente haviam
participado do mundo cangaceiro. Contudo, o entendimento do contexto maior do
cangaço exigia o seu estudo em maior profundidade. E assim se debruçou sobre os
livros.
Com o conhecimento ampliado sobre o fenômeno
histórico nordestino, então Alcino começou a juntar peças no grande tabuleiro
chamado Poço Redondo e arredores sertanejos. Enveredou pelos matos, visitou e
retornou a locais, repetiu proseados com velhos sertanejos, entrevistou personagens,
foi indagando “o tudo que todo mundo sabia sobre tudo”. Quer dizer, Alcino,
mesmo sem tal intencionalidade, passou a realizar profundos estudos de campo,
trouxe da palavra de muitos as suas versões sobre os fatos, soube costurar como
ninguém aquele emaranhado de volumosas e importantes informações.
Essencial no tino pesquisador de Alcino foi o
seu modo de conhecer e tratar a verdade histórica. A primeira coisa que fazia
era não acreditar sem antes confrontar com outros relatos sobre a mesma
situação. Nunca se contentou com apenas uma informação repassada como
verdadeira, ainda que o entrevistado ou informante fosse pessoa de seriedade e
confiança. E por que assim fazia? Ora, sabia que muita gente, por medo da
verdade ou desejosa de dar proveito a si próprio ou alavancar sua imagem,
simplesmente poderia faltar com sinceridade na informação.
Depois que tudo foi sendo colocado no papel,
aos poucos o reconhecimento foi sendo alcançado. Mas apenas por alguns. Outros,
como dito, tinham apenas que engolir.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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