*Rangel Alves da Costa
Você pode até querer avistar-se, agora, com o
rosto envelhecido de setenta ou oitenta anos. E ao enxergar-se dizer que espera
que seja assim mesmo, pois de feição ainda bonita e sem grandes transformações,
ou logo se preocupar com a aparência indesejada, ou mais castigada, na imagem
apresentada. Tudo uma questão de querer decifrar o amanhã. Contudo, resta saber
se a pessoa, no passo da vivência, pode confirmar se o futuro será assim mesmo.
Daí necessário não se iludir muito com a aparência de amanhã se ao longo da
caminhada as coisas nem sempre acontecem como desejadas.
Mas a verdade é que pelo mundo inteiro,
milhões de pessoas andam envelhecendo seus rostos através do aplicativo
FaceApp. Um modismo que se tornou verdadeira febre nas redes sociais. Por meio
da ferramenta tecnológica, utilizando uma fotografia atual, o internauta obterá
uma imagem como se já envelhecido estivesse. Eis o denominado envelhecimento
virtual que viralizou pelo mundo. Contudo, indaga-se: será que a imagem captada
será a mesma ou parecida com aquela do envelhecimento natural?
Eu jamais me submeteria a tal brincadeira. E
não apenas pelo perigo da exposição de dados e imagens pessoais, os quais ainda
se duvidam sobre sua transparência e finalidades, mas principalmente pelo fato
de que eu jamais iria me enganar comigo mesmo. Ora, minha feição futura, com
mais rugas ou menos rugas, com aspecto de folha outonal ou primaveril, somente
o tempo e a idade poderão captar. E tudo se transforma de tal modo que sempre
será impossível imaginar sequer a proximidade da feição de amanhã.
Errôneo imaginar que mais adiante as pessoas
estarão apenas mais envelhecidas. Errôneo pensar que o envelhecimento vai
acontecendo apenas num percurso de normalidade. As estruturas vão fragilizando,
o vigor vai perdendo potência, a pele vai perdendo seu viço e as rugas mapeando
o quanto se caminhou. Nada acontece como uma brincadeira de como será. Tudo
acontece numa junção de fatores: o que foi feito, o que está sendo feito e o
que talvez aconteça. Assim por que a velhice é também como uma resposta ao que
se foi e o que se foi no passado. E principalmente a resposta imediata ao
instante da velhice, atenuando ou diminuindo suas características e
consequências.
Há envelhecimento que não envelheceu pelo
tempo, mas pela dor, pelo sofrimento, pela carência, pelo abandono. Há
envelhecimento que não envelhece apenas pela idade, mas pela perda dos planos,
dos sonhos e das esperanças. Há envelhecimento profundo em quem ainda sequer ao
período próprio da velhice. Há envelhecimento onde a velhice é mais jovial que
a própria juventude. Há envelhecimento que se interioriza de tal forma que uma
face sem rugas já está totalmente desvalida por dentro. Há envelhecimento onde a
velhice já forçou tanto sua entrada, já produziu tantos efeitos negativos, que
a simples presença causa espanto e dor.
E vejam o seguinte. Nas curvas da vida, de
repente o percurso normal é desviado por surpresas indesejadas. Aquele que
trabalhou a vida inteira objetivando ter uma velhice amparada e segura, de
instante pra outro sente que o seu futuro não será nada promissor. Sabe que sua
aposentadoria o fará empobrecer, a pobreza se tornar em aflição e sofrimento, e
o padecimento ir tomando todas suas forças, desde o ânimo de viver ao
encorajamento para seguir adiante. Acaso assim não fosse, certamente que suas
rugas não aparecerão mais cedo, seu semblante não definhará tão rápido, seu
organismo não se mostrará um celeiro de enfermidades.
Tem-se, assim, que a velhice não é
representada apenas no aspecto ou na imagem física. O desamparo aos
envelhecidos é dramático no Brasil. As políticas de diminuição de seus
direitos, como no caso das aposentadorias, são verdadeiras punhaladas naqueles
que tanto lutaram. A saúde, a economia, a política, as regras do jogo de
apertar ainda mais o cinto de todo mundo, são atitudes até criminosas tomadas
contra a velhice. Na verdade, até mesmo os direitos constitucionais são negados
aos idosos. E como saber a feição da velhice perante tamanho aviltamento?
Ante a chegada da velhice, o que se deseja
apenas é que a mesma seja respeitada e que o idoso possa viver com consideração
e dignidade. Não adianta o idoso maquiar sua feição se sua fragilidade será
imposta por forças externas. Sua capacidade de ter um belo envelhecimento
depende muito também do outro. Daquele outro que não pode, mas negligencia seus
direitos. Daquele outro que diminuindo seus parcos valores de aposentadoria,
também diminui sua capacidade de existência e dignidade.
Há, assim, que se encarar a velhice como
realidade futura bem diferenciada de uma mera brincadeira de envelhecer. O
envelhecimento virtual não consegue captar a velhice interior. O aplicativo
FaceApp não mostra o histórico de vida, o percurso para se chegar àquela
feição. Como dito, o amanhã depende do ontem, do agora e, principalmente, de
fatores que fogem ao desejo humano.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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