*Rangel Alves da Costa
O ano de 1958 foi um dos mais tormentosos e
assustadores na vida de Poço Redondo. Município recém-criado, pois com sua
emancipação política em 1953 e apenas um prefeito (Artur Moreira de Sá) tendo
assumido a gestão municipal, não imaginaria que em pouco tempo seria
transformado em local de falcatruas e armadilhas políticas, de roubos de urnas
e assassinatos, de prisões e perseguições, e de uma militarização que mais
parecia um campo de guerra. A presença militar era tão grande que todos viviam
em constante vigília e, muitas vezes, tendo de receber autorização até para os
afazeres diários.
Tudo começou após a controvertida vitória de
Artur Moreira de Sá sobre José Francisco do Nascimento, o Zé de Julião (o mesmo
Cajazeira no bando de Lampião), na primeira eleição de Poço Redondo, ocorrida
em 03 de outubro de 1954. A recontagem dos votos até que a disputa ficasse
empatada com 134 votos para cada candidato, e tendo sido eleito Artur Moreira
por ser de mais idade, jamais teria a aceitação de Zé de Julião. Segundo ele,
os votos obtidos seriam suficientes para sua vitória, e eleito seria se não
fossem as manobras da justiça eleitoral governista, que impôs a recontagem até
que desse empate. Mas, enfim, teve que engolir o feito.
Tão obstinado era para ser prefeito de seu
berço de nascimento e da terra que tanto amava, que Zé de Julião passou a
semear mais ainda a construção de seu sonho. Ora, sabia que era amado e querido
pelo seu conterrâneo, e também tinha certeza que seria imbatível numa eleição
justa e sem falcatruas. E por isso mesmo lançou-se candidato na segunda eleição
municipal, marcada para acontecer em 03 de outubro de 1958. O prefeito Artur,
por sua vez, lançou como seu candidato Eliezer Joaquim de Santana, um tenente
da polícia militar sergipana que, igualmente ao prefeito, possuía raízes
fincadas em Porto da Folha. Zé de Julião concorria pelo PSD, enquanto Eliezer
pela UDN de Leandro Maciel, um governante que declaradamente mandava destruir seus
opositores.
Pois bem. Marcada a eleição, os candidatos em
campanha, tudo parecia se encaminhar para uma disputa sem maiores entraves, mas
eis que a velha política da esperteza, da safadeza e da maracutaia, entra em
cena. Numa época em que os eleitores tinham que votar levando seus títulos,
houve em Poço Redondo um recadastramento que foi como cova aberta às pretensões
de Zé de Julião. Os títulos de seus eleitores simplesmente ficaram retidos na
justiça eleitoral e, fato ainda mais grave, o juiz eleitoral da Comarca de
Porto da Folha (da qual Poço Redondo era distrito), o udenista Dr. Djalma
Ferreira, indeferiu todos os pedidos de inscrições dos eleitores de Zé de
Julião. Um absurdo, mas assim aconteceu.
Ante tais ocorrências, com a certeza de que
jamais poderia ser eleito sem que seus eleitores votassem, então Zé de Julião
tomou uma decisão extremada. Em surdina, passou a organizar um ataque às
sessões eleitorais da cidade de Poço Redondo e da povoação ribeirinha de
Bonsucesso. Não seria um ataque a tiros nem espalhando violência, mas apenas
para retirar as urnas dos locais de votação, de modo a ninguém conseguir votar.
E assim fez. No dia 03 de outubro de 1958, logo que a votação teve início, mais
de cem cavaleiros despontaram pelas ruas, seguindo em direção ao local de
votação.
Zé de Julião sempre à frente, vestido de
paletó e gravata, entrou na seção e disse que se seus eleitores não podiam
votar então ninguém votaria. Jogou a urna pela janela, Abdias amparou e
novamente montou no cavalo. Em seguida, o candidato “sem eleitor” lançou mão
das folhas de votação e seguiu com seu tropel em direção a Bonsucesso. Só não
seguiram até Curralinho, onde também existia uma seção eleitoral. De
Bonsucesso, seguindo dessa vez pela caatinga, os cavaleiros só foram se
dispersar mais ao longe. Após isso começaram as prisões, perseguições e todo
tipo de atrocidades contra o sertanejo seguidor do filho de Julião.
Tais fatos fizeram com que aquela eleição de
03 de outubro de 1958 fosse anulada. A grande abstenção dos votantes de
Curralinho não permitia que o candidato Eliezer fosse declarado vitorioso. Assim,
uma nova eleição foi marcada para ocorrer no dia 26 do mesmo mês, ou seja,
vinte e três dias apenas após as assombrosas ocorrências. Desta feita, como ao
invés de ser candidato Zé de Julião era apenas um fugitivo, então se confirmou
o candidato governista como o vitorioso. E foi na gestão de Eliezer Santana que
Poço Redondo viveu num estado de militarização sem precedentes.
De origem militar, o tenente-prefeito logo
cuidou de requerer ao governo Leandro Maciel o envio de tropas e mais tropas.
Assim o fez não para garantir a segurança do sertanejo, mas por medo de que Zé
de Julião atacasse a cidade e colocasse em risco as vidas daqueles que haviam
sido seus opositores. Era polícia por todo lugar, pelas ruas, pelos becos,
pelas esquinas. E ainda assim o constante medo tomando conta de cada cidadão.
Era um tempo de um Poço Redondo tomado pelas consequências de uma política
covarde e lamacenta.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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