SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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domingo, 7 de julho de 2019

RIACHO JACARÉ OU AS ÁGUAS ENTRISTECIDAS DE UMA CIDADE


*Rangel Alves da Costa


O Jacaré é um curso d’água que um dia permitiu que o nome “Poço Redondo” houvesse surgido. E ladeando a cidade continua em fraquejantes suspiros.
Num tempo de seca grande e de falta de água nos açudes e tanques, era no leito do Jacaré que o bicho era levado para enganar a sede.
Apenas enganar a sede, pois a água salobra (ainda que chegasse límpida e pouco salgada das entranhas do rio) apenas minimizava, mas não resolvia a situação.
Então, quando o dono do pequeno e magro rebanho passava, o compadre adiante perguntava aonde ele ia.
E então a resposta: “Vou ali no poço redondo!”. E Poço Redondo ficou. Era um leito de muitos poços, bastando cavar um pouco para água logo brotar em meio ao areal grosso e limpo.
Contudo, um se sobressaía, que era maior, mais arredondado, com mais água jorrando, local ideal para que o bicho ao menos enganasse a sede.
Este mesmo Riacho Jacaré de tanta história e tanta memória, tão belo e grandioso nas grandes cheias, continua ladeando a cidade de Poço Redondo. Mas de forma muito diferente de outrora.
No passado, depois de três águas seguidas, as águas já estavam propícias ao banho. E uma multidão acorria às pedras grandes e aos poços famosos para o lazer debaixo do sol.
Ouvir a chegada das águas em correnteza era sensação de prazer indescritível. Nas noites molhadas, chuvosas, e ao lado da cidade aquela orquestra murmurante e atraente.
Era como a vida fosse renovada a partir de cada cheia do riacho. As águas velhas, os troncos apodrecidos e as ossadas, tudo levado adiante. E as águas novas fazendo renascer a vida e as esperanças sertanejas.
Mas tudo num tempo que é apenas de saudade. Hoje o Jacaré sofre a mesma dor humana em enfermidade. Uma dor visível em quase toda a sua extensão, principalmente nos arredores da cidade.
O rio está feio, doente, sujo, maltratado, abandonado e açoitado pela mão humana. Quando as águas escasseiam, apenas poças apodrecidas e doentias são avistadas ao redor dos quintais e dos cercados.
Como dito, uma doença causada pela ação humana que despeja esgotos, óleos e outros resíduos de posto de combustível, que vai fazendo do leito uma lixeira a céu aberto.
Por consequência, mesmo as cheias grandes já não conseguem limpar as águas, afastar as impurezas que são massivamente acumuladas. E por isso mesmo, as águas avistadas do alto da ponte chegam a ter uma cor escura, grossa, repleta de perigos à saúde humana.
Do alto da ponte, tanto de um lado como do outro, imagina-se a existência de água. Mas não. É apenas a líquida e doentia podridão que vai escorrendo em gemidos sem fim.
Eis o retrato de um rio triste, de um rio que passa pela minha aldeia. Entristecer junto a ele, apenas. Ou implorar aos céus que as forças da natureza, por si mesmas, retomem a pujança que o homem tanto insistiu em destruir.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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