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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A ÁRVORE MORENA (E DE OLHOS VERDES) (Crônica)

A ÁRVORE MORENA (E DE OLHOS VERDES)

Rangel Alves da Costa*


Talvez uma árvore com tais características não exista em lugar nenhum do planeta, principalmente pelos olhos e a sua cor, pois todo mundo sabe que árvore não tem visão, mas somente coração.
Mesmo assim vou contar a história que um dia ouvi de um velho monge budista, e segundo a narrativa sempre existiu uma árvore morena e de olhos verdes. Mas apenas uma, somente uma.
Contou-me o velho monge que no ponto mais alto da mais alta montanha nasceu uma planta com características diferentes de qualquer outra planta jamais vista.
A planta, na estatura de uma pessoa mediana, era fincada à terra por raízes que eram verdadeiras veias, crescia a partir de dois troncos que pareciam pernas, possuía no centro todos os aspectos de um corpo humano, se expandia em dois braços alongados e na parte de cima uma pequena copa nos moldes de uma cabeça. Dos galhos que se curvavam ovalmente despontavam folhas compridas que, sopradas pela aragem do entardecer, assemelhavam-se com cabelos ao vento.
Dessa planta diferente, tão bela enquanto parte da vegetação e tão triste enquanto semelhante ao ser humano, nunca nasceu um fruto, nunca vingou um broto, nunca surgiu uma flor. Era planta triste por alguma coisa misteriosa.
Em meio às folhagens podia-se avistar apenas uma minúscula formação arredondada que, surgida do nada e da pele nua, crescia pelo período de um dia e quando chegava ao anoitecer se abria e soltava um pó embranquecido que se espalhava pelo ar e era levado pelo vento.
Não se sabe como, mas este pozinho, ao invés de se espalhar por lugares cada vez mais distantes, ia se juntando lá por cima e de repente estava formado um pingo de água volumoso que ia caindo e molhava sempre no mesmo lugar. E este pingo estranho e de diferente formação descia sempre sobre uma árvore chamada Adrishya.
No dialeto Pali, que é uma forma simplificada do sânscrito, Adrishya significa aquela que não pode ser percebida pelo olho humano. Assim, essa árvore existente num cume um pouco abaixo da mais alta montanha, e que recebia todos os dias aquela gota d'água como forma de rejuvenescer e se perpetuar, possuía características que não podiam ser percebidas através do simples olhar.
Contudo, nem todos os seres humanos viviam impossibilitados de enxergar, se encantar e se apaixonar por aquela árvore com corpo belo, esguio e esbelto de mulher, de pele de um moreno trigueiro e de olhos verdes, bem esverdeados.
Perguntei ao monge porque aquela plantinha cuja formação parecia também um corpo humano soltava aquele pó que se transformava em pingo d'água para molhar a Adrishya, que era uma verdadeira mulher para quem tivesse a permissão de vê-la. E ele respondeu calmamente que era o amor, simplesmente o amor.
E por quê? Insisti em perguntar. Foi a única forma que a natureza encontrou de fazer os seres que se amam dependentes um do outro. Porque ainda não foi permitida a união entre seres vegetais, a divindade fez com que um alimente o outro até o dia que puderem realizar seus desejos como simples mortais.
E a Adrishya não pode expor sua beleza perante todos porque está prometida. E aqueles que têm permissão para vê-la o fazem somente para ter a certeza de que o amor se alimenta de muito mais mistérios do que imagina nossa vã filosofia.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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