SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A CASA DAS FLORES (Crônica)

A CASA DAS FLORES

Rangel Alves da Costa*


Logo no outro trecho da rua onde moro, bem vizinha à Capela de São João Batista, tem uma casa muito simples, toda azulejada na frente, dessas que só tem porta e janela, mas bem cumprida e com quintal bem grande. Ainda existem casas com quintais e talvez com árvores frutíferas, plantas medicinais e pequenos bichos de estimação.
Nessa casa mora uma senhora já com os seus oitenta anos ou mais. De vez em quando vejo filhos e outros parentes por lá, mas o que sei é que ela é moradora antiga daquele endereço. Talvez more ali desde próximo aos tempos em que Amando Fontes buscou inspiração na Rua Siriri, que fica logo virando a esquina, para escrever seu famoso romance "Rua do Siriri".
Sempre tive interesse em saber o nome dela, mas sempre esqueço de perguntar. Passo pela porta da casa, posso vê-la com seus cabelos pretinhos de henê sentada logo adiante no sofá, faço os cumprimentos necessários e sigo adiante. Me dá uma vontade danada de parar mais um pouco, de ficar mais alguns instantes ali, puxar conversa com ela e matar uma curiosidade enorme que tenho.
É um misto de curiosidade e encantamento, de interesse sociológico e valorização do jeito de ser daquela senhora, de deslumbramento e puro respeito ao gosto do próximo. Eis que eu queria saber – e vou descobrir um dia – porque a casa de Dona Florinda (vou chamar assim) é toda cheia de flores. Da porta da frente aos fundos, é repleta de vasos, jarros e caqueiros com flores. Até aí tudo bem, mas...
Por a porta estar sempre aberta, mesmo sem querer qualquer um é chamado a olhar pra dentro e logo começa a enxergar buquês e arranjos de flores por todos os lugares. Rosas, orquídeas e violetas pelos cantos da casa; jarros com afinetes, antúlios, copos-de-leite, celósias, begônias e angélicas por todos os lugares, em cima de baquetas, do centro, em pedestais; caqueiros com margaridas, antúrios, gérberas, lágrimas de cristo e brincos de princesa; vasos em cima de tudo que há espaço e todos com azaléias, lírios, crisântemos, girassóis, hortênsias, tulipas e dálias.
Sem mentiras nem invencionices, sem aumentar nem diminuir, a casa de Dona Florinda é um verdadeiro jardim. E como jardim que se preza, o dela possui mil cores, mil flores, mil galhos verdejantes, mil folhas de matizes diferenciadas. Só não tem os perfumes e aromas próprios dos jardins, pois o dela é todo de plástico, inteirinho artificial, sem ao menos um pólen vindo da natureza.
O que mais me intriga é a vontade de saber o que faz esta senhora bonita gostar tanto de arranjos e flores artificiais, ao ponto de transformar sua casa num jardim encantador com enfeites desse tipo. Contudo, qualquer resposta que se tenha nunca será tão verdadeira como a certeza de que tudo que está presente ali realmente existe e é belo e grandioso, conforta e lhe causa a mesma sensação de estar nos jardins das Tulherias.
Quem sabe se nas manhãs não passeia pela casa conversando com as pétalas do seu jardim, acariciando-as, sentindo o perfume, mudando flores de lugar e fazendo arranjos cada vez mais bonitos. E este vou colocar aonde? Ela vai se perguntar. E certamente irá colocá-lo bem ao lado da cabeceira da cama, onde está a mesinha com o oratório, a vela sempre acesa, as fotografias das pessoas que ama, os santos para proteger, o Senhor a iluminar a vida e o jardim.
Noutro dia eu soube que um filho lhe deu de presente um lindo buquê de flores naturais, colhidas naquela mesma manhã. E ela chorou tanto de contentamento e alegria, que as flores artificiais decidiram que toda manhã uma delas ganharia vida aos olhos de Dona Florinda.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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