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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

SENTENÇA E SINA (Crônica)

SENTENÇA E SINA

Rangel Alves da Costa*


Pois bem. Consultado o maior sábio da região sobre o que poderia ocorrer com aquela linda mulher que desprezou todos os amores que rogavam por um simples olhar, um breve abraço ou um rápido beijo, ele não pensou duas vezes e disse que consultaria o oráculo para ter as respostas seguras o mais rápido possível.
Depois de consultar oráculo, que lhe permitiria fazer conexões com deuses míticos e entes superiores, o sábio prometeu que traria a solução mais coerente para o caso, mas não de forma verbal, pelo uso da palavra simplesmente dita, e sim através de uma sentença escrita, cuja disposição final, ao invés da absolvição ou condenação, seria dada por meio de uma sina.
Como é do conhecimento de todos, sentença é uma decisão, um julgamento, uma pronúncia de determinado julgador sobre um caso levado ao seu entendimento e análise. Depois da análise profunda sobre a questão vem a sentença, a decisão. Já a sina, neste caso, seria o destino assegurado à pessoa depois do que determinar a sentença. Julgado traidor, por exemplo, a sina é perder a confiança de todos pelo resto da vida.
Assim, depois de três dias e três noites consultando o oráculo, o velho sábio pegou uma pena de ganso, estendeu um pergaminho numa velha escrivaninha, molhou a pena num frasco de carvão líquido e escreveu sentença e sina, como a seguir se avista:
Vistos, etc.
A juventude apaixonada da região, consubstanciada em provas de que a bela Maria jamais atendeu aos rogos dos corações enamorados e, ao invés de permitir-lhe ao menos a esperança de qualquer felicidade advinda de um gesto, um olhar, uma carícia, um beijo ou um abraço, procurou a sabedoria do oráculo para, através dos juízos dos deuses e entidades, anteverem o que poderá acontecer com a doce e meiga donzela acaso insista em evitar a todos, desprezar a todos, negar-lhes o doce sentimento da esperança.
Tais alegações foram comprovadas nos olhos tristes de cada um, na angústia que invade os corações tão jovens e tão aflitos, nos poemas que foram e são escritos e reescritos e nas trovas de amor que são rimadas sempre com o nome da meiga Maria.
É, em síntese, o relatório do que me veio ao conhecimento, para o qual, por meio da razão do grande Aor, da sabedoria feminina de Lilás e da palavra inconteste do venerável Passioncárdio, passo a decidir.
Ressoa dos relatos a culpa, a máxima culpa da bela Maria. Na justiça dos homens, seu tão grandioso erro se aproximaria da omissão, dos maus tratos, da lesão corporal, do auxílio ao suicídio, do infame homicídio. E por quê? Perguntaria a defesa da bela Maria.
Ora, simplesmente porque a loucura trazida pela paixão, pelo amor não correspondido, pelo contumaz e injustificado abandono e, o que é mais grave, pelo desdém com que se trata o coração do outro, outra coisa não faz senão deixar que o desprezado e relegado ao mundo dos amores impossíveis se torne em vítima potencial.
Ademais, há tristeza maior do que ser desprezado por quem tanto ama? Há dor, angústia e sofrimento maior do que viver somente da esperança e a cada dia aumentar a certeza de que tudo na vida é vão? Há dor maior do que a certeza de ser enxergado e não ser visto por quem um olhar de compreensão seria tudo?
Aor, Lilás e Passioncárdio, com o zelo e o acerto de sempre, afirmaram que não significa que ela tenha que se submeter ao amor, ao desejo, ao querer dos outros. Não. O coração é livre para escolher quem quer amar! Contudo, não se deve, por vaidade ou egoísmo, deixar desvanecer a esperança de ninguém. Não queira amar, bela e meiga Maria, mas também não aja para destruir. Cadê o olhar, cadê o sorriso? E isso bastaria!
Não vejo senão sua culpa, sua máxima culpa. Entretanto, como não deve ser imposta condenação para os que não querem amar, transformo a pena em sina. E o mais grave é que a sina, diferentemente da pena, se cumpre pela eternidade.
Então, a tua sina, bela Maria, será ter de suportar o desprezo do próprio espelho pelo resto da vida. Nada Mais.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

2 comentários:

Caca disse...

Belo conto, Rangel. Estas Marias estão rareando mas ainda as há; talvez por isso sejam tão alçadas a objetos de tantos desejos. Abraços. Paz e bem.

Toninho disse...

Muito bom Rangel, passeando pela área de profundo conhecimento criou este belo conto sobre uma personagem desdenhada do amor e dos sentimentos que provoca e que maltrata.Bela exploração da definição de sina.gostei muito.Parabens amigo e bom fim de semana de luz.Abraço.