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domingo, 17 de outubro de 2010

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 18 (Conto)

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 18

Rangel Alves da Costa*


Chegando ao posto de saúde foram informados que o Padre Antonio já havia sido liberado e teria se dirigido para a igreja. Sem demora, seguiram em direção ao templo e foram informados por Teodora, que estava passando espanador nos bancos e nos outros móveis que guarneciam o local onde eram celebradas as missas, batizados e comunhões, que o sacerdote havia acabado de chegar e que naquele momento se encontrava na sacristia.
O delegado se apresentou como tal e informou que precisava falar com ele urgentemente, sobre um assunto de grande importância e que o mesmo já estava inteirado do que se tratava. Teodora foi prontamente atender ao pedido e voltou rapidamente dizendo que dali a cinco minutos o religioso estaria no local à sua disposição.
Passaram-se os cinco minutos, dez e mais, e nada do padre aparecer. A moça, que já havia terminado a limpeza, guardou os materiais que havia utilizado e pediu licença para se retirar, reiterando que não demoraria muito para o padre aparecer, pois o mesmo estava colocando algumas coisas em ordem, colocando em ordem uns papéis.
O delegado ficou pensativo com a informação recebida de que Padre Antonio estava arrumando papéis. Será que está procurando velhas cartas ou escondendo provas? Pensava e se indagava.
Andando de um lado para o outro, olhando para as imagens dos santos, para a cruz com o Cristo de braços abertos ao fundo, para as estações da via sacra reproduzidas em pedestais, para as velas acesas, para todos os aspectos da religiosidade ali presentes, de repente se viu abatido, com intensa angústia e grande tristeza. Meu Deus, tudo tão belo num mundo tão feio e desumano, dizia a si mesmo, agora olhando pra cima como se quisesse enxergar o céu além do telhado.
Quando o padre apareceu, ele continuava viajando pelas nuvens, voando pelo infinito em pensamentos. Estava até achando muito estranho aquilo tudo, de repente sentindo-se mais reflexivo e humano, coisas que há muito havia sumido da sua vida de delegado. Caiu de cima, do lugar distante onde estava, assim que ouviu o padre falar:
"Desculpem por tê-los deixado esperando tanto tempo. É que fui liberado rapidamente pelo médico de plantão e lembrei que tinha umas coisinhas urgentes para resolver, mas já estou bem e estou aqui à disposição. Alguma novidade sobre os dois fujões?".
"Sobre os dois ainda não, mas logo teremos, disso possa ter certeza. Contudo, voltamos até o quarto de Dona Mundinha para avançar nas nossas investigações e revirando as coisas do baú encontramos alguns papéis, como este aqui, que na verdade é uma carta muito estranha de alguém para e velha, que de velha e doente pelo jeito não tinha nada. Por favor, padre, leia e veja se reconhece esta letra de algum lugar, de algum fiel ou de alguma pessoa que o senhor conhece. Por favor...".
E o delegado entregou a carta nas mãos do Padre Antonio, que após ouvir as palavras começou a ficar com uma cor estranha, parecendo sem sangue nas veias, com as mãos trêmulas, os olhos quase faiscando e visivelmente nervoso.
Leu a carta em dois minutos e pareceu ainda mais afetado com a leitura. Esforçava-se o máximo para não demonstrar nervosismo e disse com a voz um tanto embargada: "Mas isto é muito grave. Comprova que Dona Mundinha era pessoa totalmente diferente do que demonstrava ser, possuía um amante, que é o verdadeiro pai de Mehiel, e que o tal amante estava tramando com a mãe fazer aquelas acusações monstruosas contra o rapaz. Mas isto é um verdadeiro absurdo, senhor delegado, um fato que precisa ser investigado em profundidade...".
"Mas é em profundidade mesmo que estou investigando. Por isso mesmo, e com todo o respeito que tenho pelo senhor e por sua igreja, peço desculpas, mas preciso que o senhor me traga agora mesmo alguns escritos de sua lavra, alguns escritos que tenham a sua letra, pois preciso verificar como o senhor escreve e confrontar a sua letra com esta carta aqui e aquela outra que chegou até minhas mãos. Por favor, seu padre, vá buscar o que pedi...".
"Mas, mas, mas isto é um insulto à igreja, um verdadeiro pecado pensar que um padre seria capaz de estar envolvido nessa trama toda, nessa coisa de amantes e de monstruosidades. Nego-me a passar por tais constrangimentos...". Disse o padre assustado.
"Então, com toda licença, mas eu mesmo vou lá na sacristia e...", ameaçou o delegado. "Mas não faça isso, pelo amor de Deus, pois ali estão segredos de fé e que ninguém pode colocar as mãos. Deixe-me ir buscar o que pediu, é só um instantinho, deixe-me ir buscar...". E saiu apressado para uma porta aos fundos da igreja, que fazia chegar à sacristia.
O delegado esperou pacientemente uns dez minutos; com vinte minutos começou a gritar pelo nome do padre. No minuto seguinte entrou na sacristia, porém encontrou o local totalmente abandonado. Ninguém estava mais ali. A janela que dava para os fundos aberta era a prova que o padre havia fugido.
Padre Antonio enganou os dois e pulou a janela para fugir.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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