SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 2 de outubro de 2010

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 3 (Conto)

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 3

Rangel Alves da Costa*


Mehiel se virou rapidamente para ver quem estava falando e deu bem com os olhos de Teodora, a maior rampeira do mundo, segundo as más línguas.
Resolveram espalhar mundo afora que a moça não valia nada, que era puta de dar a quem quisesse, só porque ela nunca aceitou flerte, conversinha e safadeza com homem nenhum dali. Nem do lugar nem de qualquer outro. Era pessoa simples, honesta, recatada e com as maiores virtudes de uma moça sertaneja.
Estava ainda solteira e com alguns anos a mais, isso era verdade, mas nada que pudesse macular sua imagem de mulher honesta. Mas sabe-se como é, porque não aceitava safadeza passou a ser safada pela boca de quem não tinha o que fazer nem vergonha na cara. E como tinha gente assim no lugar...
"Como vai Teodora, me admiro encontrar você aqui. O que foi que houve, o que quer falar comigo?", perguntou. Então ela prosseguiu: "Padre Antonio viu você passando e me pediu para vim até aqui lhe dizer que se for possível dê uma passadinha lá na igreja, mais precisamente na sacristia, que ele quer falar com você. Era só isso Mehiel", concluiu a moça com um sorriso.
"Ah! fiquei triste, fiquei triste Teodora, pensei que era você quem queria falar comigo. Mas tudo bem, diga ao padre Antonio que não demoro muito e dou uma passadinha por lá, tá certo?". Quando ela já virava a costa para retornar, ele ainda falou: "Espere aí Teodora, você é muito devota e gosta de rezar muito?".
Diante da pergunta inesperada, ela deu um sorriso e perguntou: "Se sou devota e gosto de rezar muito, por que essa pergunta agora?". "Deixa pra lá, deixa pra lá, tava brincando...". E os dois seguiram por lados opostos; ele em busca de suas velas e ela em direção à igreja.
À sua frente quase ninguém mais surgia, vez que as pessoas se afastaram por onde ia passar. Só se via cabeças sendo esticadas pelos cantos e por detrás das portas para espiá-lo como se estivessem fugindo, se escondendo, com medo de sua presença ali. Ele não sentia isso tudo acontecer, muito menos imaginava que estivesse espantando aquela gente e daquela maneira.
Seu Osmiro da quitanda fechou sua vendinha na hora; Maria Fateira foi correr com um balde de fato na cabeça, tropeçou numa pedra e se estrebuchou toda. Quando ele correu para ajudá-la, assim que a mulher viu quem se aproximava desmaiou de vez. Um bêbado se aproximou e disse: "Saia de perto dela seu monstro, que eu sou médico e vou fazer respiração boca a boca...".
Então é isso, é essa conversa de monstro, pensou ele enquanto se afastava. Quando entrou na mercearia para comprar as velas, quase não consegue adquirir a encomenda. Chamou, chamou e não aparecia ninguém para atendê-lo. Falou duas, três vezes e nenhum vendedor. Até que disse, brincando, que já que ali não tinha ninguém ia pegar as velas e depois voltaria para pagar.
Só foi falar isso e viu uma cabecinha aparecer numa ponta do balcão. "As velas estão ali, vá pegar e diga quantas foram que digo o preço e você deixa o dinheiro aí", e a cabecinha desapareceu de novo. E assim Mehiel fez, saindo com as velas e deixando o dinheiro em cima do balcão.
Contudo, já não estava se sentindo bem com essa situação. Só podia ser essa história de monstro pra cá e monstro pra lá. Tinha que dar um basta urgentemente nisso tudo. Afinal, por que essa conversa de monstro, de onde e quando apareceu isso e por quê? Teria que botar isso logo em pratos limpos, isso teria. Antes disso, contudo, teria que ir atender o chamado do padre Antonio.
Foi diretamente à sacristia, que, adentrando-se a igreja, ficava na parte dos fundos. A porta estava aberta e o velho sacerdote apareceu nela logo que ouviu os seus passos. Apontou uma cadeira e pediu que sentasse se achasse melhor.
"Benção padre, que Deus esteja convosco sempre, e ai de estar, pois melhor coração não haveria de encontrar para se manifestar...", foi logo dizendo Mehiel. "Deus está em todos nós meu filho, mas muito mais nos bons e justos corações, disso tenha certeza...". Disse em seguida o pastor de almas. E em seguida continuou falando:
"Estou pecando e fugindo dos meus atributos de confessor, pois a confissão é ato de juramento que não pode ser quebrado por nada nessa vida, mas tenho que lhe perguntar uma coisa que me disseram em confissão. Me responda Mehiel: o que você anda fazendo por aí que pessoas estão dizendo que você é um monstro?".


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: