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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 9 (Conto)

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 9

Rangel Alves da Costa*


O que causava imensa preocupação aos médicos, enfermeiros e assistentes sociais é que não se tinha conhecimento de nenhum familiar do menino, não aparecia ninguém para obter informações ou para visitá-lo.
Em casos assim, a política de assistência ao paciente geralmente previa que esperasse o doente se recuperar para repassar informações sobre sua família, de modo que o hospital pudesse tomar as devidas providências quando de sua liberação.
O problema é que o menino quando pôde falar, já no segundo dia de internamento, disse apenas o que parecia muito vago e impreciso, talvez ainda porque estivesse dizendo coisa com coisa, como consequencia de sua dificuldade de raciocinar e se expressar.
A verdade é que disse que a família se resumia à sua mãe, que não existiam outros familiares, que não tinha nenhum outro parente nem nada, e que sua mãe era pai, mãe e irmã e tudo. E que não eram dali daquela cidade, mas sim de um lugar muito distante e que sua mãe podia ser encontrada na rodoviária, pois estava esperando ele para viajarem para um lugar mais longe ainda.
Na manhã do terceiro dia, quando já estava se sentindo plenamente recuperado e sem aquelas dores pela cabeça e pelo corpo, ouviu de olhos fechados o seguinte diálogo travado entre duas enfermeiras:
"Mais tarde, assim que o médico o examine, esse menino vai ter alta. O problema é que não apareceu ainda nenhum familiar dele, ninguém sabe onde ele mora, quem é, nem quem são os seus pais. E em casos assim...". Foi prontamente interrompida pela outra, que disse:
"Já conheço essa história de em casos assim. Em casos assim vão maltratar o menino, vão jogá-lo no esquecimento e dizer que tudo é passageiro, que ele ficará praticamente abandonado só até encontrarem a família. E digo abandonado porque o abrigo para onde ele vai ser levado não passa de uma pocilga, com maus tratos das crianças e tudo que de ruim pode acontecer".
"Mas não tem jeito. Aqui ele não pode ficar, não aparece ninguém e ele não tem aonde ir. Ser levado para um abrigo será o único jeito de não deixá-lo simplesmente na porta do hospital e dizer que agora se vire", completou a outra.
Ouvindo tudo caladinho, quietinho como se estivesse dormindo, Zezinho ficou imaginando sobre o que elas tinham conversado e sobre para onde seria levado. E logo lhe veio à mente a ideia de fugir dali e ir imediatamente até a rodoviária procurar sua mãe. Uns três dias já haviam se passado, mas tinha certeza que ela ainda estava por lá esperando ele.
Desceu da cama, ajeitou sobre ela alguns travesseiros e depois colocou uma coberta por cima. Quem olhasse diria que alguém estava deitado totalmente coberto. Quando descobrissem já estaria longe. Assim, saindo cuidadosamente, se escondendo pelos cantos, foi alcançando a parte dos fundos do hospital até chegar próximo a um muro bem alto.
Escondeu-se debaixo de uma pequena cobertura e ficou observando as construções próximas ao muro, de modo que escalando uma pudesse chegar à outra e assim por diante. E não demorou muito já estava descendo por um pé de goiabeira num quintal do outro lado do muro.
Estava com sorte, pensou. O quintal totalmente em silêncio, a porta dos fundos da casa trancada, algumas roupas de gente na sua idade no varal e até uma mangueira para tomar banho. Não pensou duas vezes, e não demorou muito já estava tomado banho e vestido numa bermuda e camisa de malha. Só faltou um espelho, ficou imaginando sorridente.
Já estava caminhando cuidadosamente pelos cantos da rua quando avistou um jornal espalhando suas folhas pelo chão. Curioso como sempre foi, abaixou e trouxe diante dos olhos uma página que lhe despertou imensa curiosidade. Havia uma foto de uma mulher estampada na página e não teve dúvida: aquela era sua mãe. Mas o que o retrato dela estava fazendo ali?
Então, com a maior dificuldade do mundo, juntando letra com letra, e para seu espanto, conseguiu ler o que estava escrito: "Mulher morre no terminal rodoviário".
Não podia ser, pois sua mãe estava vivinha lhe esperando na rodoviária. Mas se aquilo fosse verdade então ela havia morrido. E o que fazer agora?


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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