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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 19 (Conto)

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 19

Rangel Alves da Costa*


A fuga do sacerdote serviu para colocar mais palha na fogueira já em chamas. A ardilosa evasão confirmaria sua participação naquela trama acusatória de prática de monstruosidades por parte de Mehiel. Contudo, os fatos tendiam a demonstrar que os verdadeiros monstros eram outros e não aquele sobre quem recaía a acusação.
Na visão do delegado, Dona Mundinha e o Padre Antonio, seu amante desde tempos passados, tramaram para fazer recair sobre Mehiel, filho de ambos, a incriminação sobre uma série de atos bárbaros, covardes e desumanos já praticados contra sua própria mãe, e outros que tencionava praticar contra pessoas da comunidade, principalmente crianças, tais como estuprar e matar.
Entretanto, por mais que procurasse respostas, a autoridade policial ainda não sabia com certeza quais os motivos que levaram os dois velhos amantes a tramar acusações tão graves contra o próprio filho. Será que por trás de tudo havia alguma coisa relacionada à herança? Será que os dois pretendiam morar juntos e o filho estava sendo um empecilho?
Será que Mehiel havia descoberto que era filho adulterino, e logo de um padre, e pretendia dizer a verdade à população? O que Mehiel sabia ou guardava consigo que os dois achavam melhor tirá-lo de circulação? Mais tarde certamente apareceria assassinado, disso não tinha dúvidas. Tudo isso povoava rapidamente a cabeça do delegado, que decidiu empreender urgentemente a caça aos três fugitivos.
Assim, objetivando colocar as mãos nos três para desvendar o mistério e saber quem era o culpado disso ou daquilo, o delegado saiu da sacristia e, juntamente com o outro policial, foi logo perguntando às pessoas nos arredores se haviam visto o padre passando por ali instantes atrás. O mais impressionante é que todos informaram tê-lo visto andando apressado, quase correndo, em direção a uma estrada. E era a estrada em direção à casa de Dona Mundinha e Mehiel.
Com o reforço de outros policiais, vasculharam a casa e os arredores e não encontraram nada, nenhum sinal, nenhuma pista. Viraram a noite e no outro dia ainda estavam fazendo perguntas, procurando sinais, entrando nas matas, verificando dentro de casebres, por dentro das moitas e nos buracos, porém nada de encontrá-los.
Três dias se passaram e nada dos três fugitivos serem encontrados. Na cidade, nada se comentava sobre o sumiço do padre porque ninguém sabia da trama em que estava envolvido e todos pensavam que o mesmo estava viajando. Mas do quinto dia em diante, quando as buscas já haviam sido paralisadas, pessoas das redondezas passaram a afirmar ter visto não somente o padre, mas também Dona Mundinha e Mehiel, porém em lugares diferenciados.
De repente começaram os boatos de que animais estavam sendo mortos a facadas, casebres incendiados, pobres moradores sendo perseguidos por ferozes assassinos, pedras sendo jogadas nos telhados das residências no meio da noite, enfim, uma série de atrocidades sendo praticadas por todos os lados. Somente quando o cego Teoflônio foi encontrado esquartejado dentro de sua casinha, lá pras bandas da ribeira do ribeirão, é que a polícia começou a investigar esses casos.
E não foi surpresa nenhuma para o delegado quando viu que as barbaridades estavam sendo praticadas por pessoas com as mesmas características das fugitivas: uma mulher e dois homens, cada um agindo de um modo diferente e em lugares diferentes, sempre depois que o dia começava a escurecer. Não tinha dúvidas que tais pessoas eram Dona Mundinha, o Padre Antonio e Mehiel.
Contudo, diferentemente do que todos poderiam esperar, até por ser a lógica de ação diante de casos como os que estavam ocorrendo, o delegado resolveu que não mandaria os seus homens entrar nas matas e esconderijos no encalço dos fugitivos. Pelo contrário, faria com que estes chegassem até a polícia, sem nenhum cerco, sem nenhum disparo de tiros, sem nenhum tipo de violência.
Assim, numa manhã ensolarada, três carros de som saíram pelas redondezas da região onde eles estavam escondidos e agindo e começaram a anunciar bem alto enquanto circulavam pelas estradas e veredas: "Todos estão convidados para participar da inauguração da igrejinha construída junto à casa da viúva Dona Mundinha, no local onde era a olaria de Mehiel. Todo o evento terá a participação do Padre Antonio. Será no próximo sábado pela manhã".
Gritos, berros, vociferações e trinados de ódio foram ouvidos no meio das matas, nos esconderijos, nas grutas. Não podia ser, diziam e gritavam enlouquecidos onde estivessem, sangrando pelos corpos cheios de espinhos e os corações, se ainda existentes, tomados pelo ódio e desespero. Isso não pode ser, diziam em acessos de fúria.
Era só uma questão de tempo, dizia o delegado aos seus homens.
No dia seguinte, depois das sete horas da manhã, enquanto os policiais faziam campana defronte à casa, em locais onde não podiam ser avistados, o delegado percebeu quando alguém abriu a janela onde ficava o oratório e disse a um dos policiais: "Eles já chegaram, vieram tomar posse novamente daquilo que é deles...".


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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