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terça-feira, 12 de outubro de 2010

CONSIDERAÇÕES SOBRE ONTEM (Crônica)

CONSIDERAÇÕES SOBRE ONTEM

Rangel Alves da Costa*


O conceito de tempo presente sempre será relativo. Esse tempo, o momento de agora, amanhã já será passado. Até o futuro será passado se pensarmos nos dias seguintes depois de amanhã. Por isso mesmo é que as mudanças ocorrem imperceptivelmente, de modo que o choque com as transformações somente sejam sentidas num percurso bem maior de tempo.
E como podemos reconhecer que as transformações ocorreram, vez que quase nada mudou de ontem pra hoje e certamente pouco mudará amanhã? Como já afirmado, a curto prazo é difícil tal percepção, contudo existem alguns aspectos que a longo prazo confirmam e mostram claramente como as coisas se transformam radicalmente e até nos faz indagar sobre como teria sido aquele tempo passado.
A visão em si não alcança o passado para explicá-lo, mas o olho consegue enxergar aquilo que verdadeiramente se modificou totalmente, e para isto basta que a pessoa tenha um tempinho para abrir o baú de fotografias; para observar retratos antigos nas molduras das paredes, nos museus, nas revistas, jornais e livros que cuidem do cotidiano passado; para observar os espelhos antigos e suas molduras que ainda restam por aí e para analisar pequenos fragmentos do ontem que ainda se espalham por muitos lugares.
Daí, diante da fotografia, do espelho e de outros objetos, cada um poderá verificar as grandes transformações ocorridas a partir de algumas considerações, conforme a seguir sinteticamente analisadas.
Que suntuosidade a dos barões do café, dos senhores de engenho, grandes latifundiários, proeminentes políticos, com suas casacas compridas, seus ternos franceses, seus fraques e cartolas, seus chapéus de fina marca, seus bigodes cheios e alinhados, seus cavanhaques bem delineados, com olhares que parecem voltados para além das janelas com suas terras e infinitas riquezas.
Que imponência e suntuosidade, que cenário perfeito para retratar a importância dos retratados, com móveis na mais requintada madeira de lei, enormes mesas e cadeiras, adornadas e totalmente trabalhadas por mãos de maestria artesã; os tapetes e candelabros, a riqueza e o brilho em preto e branco realçados em cada detalhe, nos armários envidraçados e nos jogos de louças importados; nos Rembrandt, Monet e Cézanne.
E quando a família está toda reunida na fotografia, logo se observa um tradicionalismo conservador e burocrático em tudo. Os pais em pé ou sentados, geralmente acompanhados com pessoas importantes da família, estão sempre vestidos com as roupas mais finas existentes para a época. Os chefes da família ao meio, as crianças sentadas ou em pé logo em frente e outros parentes por trás de tudo.
As mulheres com seus vestidos franceses cheios de adornos e bordados, numa onda do mais fino tecido que desce até os pés. Elas estão sempre de chapéus enfeitados, cabelos trabalhados em cada ponta, batons bem acentuados sobre os lábios e jóias tomando os braços e as mãos de dedos finos e bem cuidados.
Nos homens se sobressai o conservadorismo no vestir. Tal como descrito acima, as posturas de elegância parecem servir para reafirmar o poder que envolve o fotografado. Interessante de se notar são crianças retratadas como se fossem miniaturas dos adultos, com suas roupas impecáveis e seus penteados delineados na mais pura brilhantina. Aqui e acolá um garotinho vestido de marinheiro, mas de suntuosidade que mais parece capitão dessa embarcação da história.
Por outro lado, noutras fotografias antigas retratando pessoas bem mais simples e humildes, é fácil de se notar também a seriedade com que as pessoas pretendem ser vistas na posteridade. Todos bem penteados, alinhados e com olhares distantes, parecem viver num tempo sem nenhuma alegria e descontração, pois a tristeza são marcas características nessas feições.
Se sorrisos existiam estes só conheciam os espelhos enormes e de molduras bonitas que viviam pendurados nas salas e nos quartos. Nesses espelhos ficaram os últimos sorrisos daquelas faces que iam fotografar. Nos espelhos ficaram os sorrisos e nas fotografias as tristezas de um tempo distante. Tristezas porque nossos olhares de agora só conseguem enxergar a saudade daqueles tempos que talvez fossem de felicidades.
Mas hoje os espelhos já estão amarelados e embaçados; muitos deles repartiram de vez o último sorriso, despedaçaram os olhares de ontem. E amanhã restará somente a moldura daquilo tudo que fui, que fomos um dia...



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Toninho disse...

Excelente reflexão sobre o tempo e suas marcas.Analises bem ilustradas para mostrar a capacidade que o tempo tem de tornar lembranças vivas em fragmentos que no tempo nos fizemos.Um abraço Rangel.