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domingo, 17 de outubro de 2010

QUANDO EU TINHA A SUA IDADE (Crônica)

QUANDO EU TINHA A SUA IDADE

Rangel Alves da Costa*


Não sei quantos anos você tem, mas quando eu tinha sua idade pensava igualzinho o que você pensa agora. Pensava principalmente que o pensamento nada mais era do que uma imagem ou ideia que vinha à mente e que eu poderia modificar o seu jeito ou manipulá-lo da forma que quisesse. Depois pensei que não era assim, pois tudo o que eu pensava existia de todos os modos e todas as formas.
Quando eu era mais jovem e achava que tinha de liberdade de pensamento, contraditoriamente me vem a certeza de que naquele momento o pensamento tinha mais responsabilidade do que em qualquer outro instante da vida. A tal liberdade que pensava existir outra coisa não era senão experimentar pensamentos errados para concretizá-los ou não.
Daí que na sua idade pensava que o erro não existia, tudo poderia ser superado e revivido, de modo que o que ficasse valendo a pena fosse a experiência pela ação errada ou acertada. Por isso mesmo é que muitos ainda insistem em pensar como jovens ainda que sejam velhos.
Quando eu era mais velho, assim da sua idade, por exemplo, pensava que já conhecia tudo, que já estava preparado pra tudo, que nada de novo que ocorresse me faria sentir estranheza. Pensava que as pessoas quando chegam a uma certa idade já são sábias de si mesmas, já podem dar exemplos de vida aos outros e já estão prontas e acabadas para tudo. As pessoas já estavam em ponto de perfeição, para o bom ou ruim, o bem ou o mal, eu pensava. Pensava...
Pensava que o erro era cometido sempre por descuido e que aquele mesmo deslize não seria cometido novamente, pois já havia experiência e maturidade suficiente para não cometer duas vezes o mesmo erro pelo mesmo fato. Ademais, com base na justificativa de que errar é humano, deixaria por menos o acontecido e fingiria que nenhuma consequencia traz para a pessoa a certeza de que não poderia errar e incorreu no erro.
Quando eu era ainda mais velho, mais velho de ser mesmo chamado de idoso ou ancião, foi então que passei a descobrir que tudo o que havia feito na vida o foi de forma errada, impensada, negligente e inconcebível para uma pessoa que não pretendia se arrepender depois. E a certeza de que tudo foi feito de forma errônea era tanta que até temia errar em ter tanta certeza. Mas os erros cometidos foram tantos que não deixaram dúvidas de que a vida inteira quase não passou de ilusões e mentiras.
Certeza de ter vivido nas e das ilusões porque achava que quando chegasse à velhice teria a força e o poder de falar com os mais jovens sem ser contestado; apontar os erros nos mais jovens e ver reconhecida a minha razão; ser respeitado pelo meu estado de idoso e de pessoa que já carregou muitos pelas mãos e pelas costas; ser olhado com respeito e dignidade pelas autoridades e governantes; ter reconhecidos os meus direitos tão propalados nas leis e na corta constitucional. Tudo ilusão, percebo agora...
Certeza de ter vivido nas e das mentiras porque pensando em agradar, menti para mim mesmo e contrariei minhas convicções para pactuar com os erros dos outros, aceitá-los e ainda aplaudindo absurdos. Se perguntavam se existia amor eu mentia, dizendo que sim; se indagavam se todas as pessoas eram confiáveis eu mentia, dizendo que sim; se interrogavam se valia a penas viver com base na realidade do pessimismo e da certeza de que tudo não tem valor de nada eu mentia, dizendo que não. E mentia ainda mais por acreditar nas mentiras.
Hoje percebo que foi um erro pensar e agir assim. Deveria ter crescido, envelhecido e morrido sem ter pensado em nada. Caminhado apenas, caminhado apenas, pois a verdade é que nessa vida pensar doi demais, doi demais...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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