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sexta-feira, 1 de outubro de 2010

DESINVENTAR A SOLIDÃO (Crônica)

DESINVENTAR A SOLIDÃO

Rangel Alves da Costa*


No mesmo compasso de Chico Buarque, que na música "Apesar de você" diz "Você que inventou a tristeza, ora tenha a fineza de desinventar", digo a quem, num gesto enlouquecido e sem se ater para as consequencias, ousou inventar a solidão, faça o favor de desinventar.
Melhor dizendo, nem peço por favor, e sim exijo que faça desaparecer - e rapidamente e de uma vez por todas – essa vil e triste criação chamada solidão. Não precisaria nem dizer os motivos, pois as vítimas estão por aí disseminadas, prostradas cheias de dor e angústias, para todo mundo ver e sentir o quanto essa erva daninha destrói o que há de mais bonito na vida de um ser humano, que é a paz, o amor, o contentamento com a existência.
Ao invés de ter inventado e imposto o seu uso, bem que poderia ter pensado em algo menos doloroso e cruel. Que tal o esquecimento no lugar da lembrança, o surgimento de outra situação agradável no lugar da desolação persistente, o aparecimento imediato de algo novo no lugar da certeza do abandono, a vida seguindo em frente no lugar da paralisia existencial?
Quem inventou essa desgraçada o fez sem testar em si mesmo seus efeitos e consequencias, apenas com o terrível propósito de tornar pessoas que nada têm a ver com a sua ideia maléfica em eternos cobaias. O pior é que fez o mundo inteiro como laboratório e vai escolhendo aleatoriamente pessoas para serem vítimas da medonha experiência.
Quem inventou a tristeza deveria saber que no mundo e na vida já existem situações desagradáveis em demasia, causas de sofrimento demais e uma infinidade de dores e dissabores. Sabia muito bem que as pessoas já vivem cercadas, tomadas e envolvidas por mortes, angústias, lembranças, saudades, violência, abandono e muito, muito mais. Talvez ele tenha se negado a reconhecer que as pessoas nasceram foi para a felicidade, para o sorriso, para a alegria.
Esse inventor deveria saber que o mundo precisa, há muito tempo, de invenções que o torne mais humanizado, mais pacífico, mais saudável, mais fraterno e mais inteligente. Esqueceram de inventar a vacina contra o câncer, contra a falsidade e a mentira, contra a covardia e arrogância, contra a falta de vergonha e desonestidade, contra a roubalheira desenfreada nos agentes públicos e governantes, contra a irresponsabilidade dos que deveriam ser responsáveis pelo bem-estar da população, contra os magistrados que só julgam por conveniências, contra os maus profissionais, contra a igreja pedófila, contra a religião ladra e contra pastores ladrões.
Esqueceram, senhor inventor, de inventar uma escada para chegar a marte e um elevador para alcançar o céu; esqueceram de inventar um espelho que diga a verdade na cara de quem gosta de mentir pra si mesmo; esqueceram de inventar uma máquina de encorajamento para os pais e outra que faça os filhos respeitarem o próprio corpo e a sua vida sexual; esqueceram de inventar uma vacina contra a prostituição eleitoral e contra os prostitutos que tornam o país num cabaré; esqueceram de inventar uma vacina para que as pessoas lembrem do que foi esquecido.
Mas tinha muita mais coisa para ser inventado. E vem você, senhor inventor, inventar logo a solidão para tomar as tardes, as noites e a vida de quem não suportaria além de uma tristezinha só. Uma tristezinha e já bastava, pois o sal na vida doce demais serve para equilibrar a dieta da existência. Mas uma tristezinha só, miudinha, uma coisinha de nada, feito cisco no olho que belisca, faz uma gota de lágrima cair e vai embora. Já bastava, seu moço...
Se não desinventar eu desinvento. Ou o que é pior, vou espalhar por aí que a solidão não existe. É só um veneno que as pessoas tomam para negar a si mesmas e a tudo.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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