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terça-feira, 26 de outubro de 2010

TE AMO ASSIM MESMO (Crônica)

TE AMO ASSIM MESMO

Rangel Alves da Costa*


A língua portuguesa tem algo de raivoso contra a gente, pois sempre que escrevo te amo, ela me repreende e diz que o correto seria amo-te. Mas pouco importa para a inveja e o ciúme da língua, pois te amo assim mesmo.
Mas não é só essa gramática que vive tentando nos separar. Ultimamente tenho percebido que uma verdadeira legião de empecilhos tenta nos ver cada vez mais distantes. E imagine você que coisa mais maluca ter aquilo que a gente confia tanto agindo como inimigo.
Pode parecer mentira, mas é verdade que tudo que você possa imaginar, tudo que há entre o céu e a terra, vive tramando contra a nossa paz, contra a nossa felicidade, contra o nosso amor. E eu disse tudo, até nós mesmo, até eu e você.
Pois é. A poesia, a música, a manhã, a tarde, o sol, a lua, a noite, o espelho, a janela, a paisagem, a brisa, a ventania, o passarinho, a tempestade, o sonho, o pesadelo, o leiteiro, o pão, o padeiro, o céu, o pensamento, a imaginação, a voz, a boca, o corpo, o outro, a gente, a distância, o horizonte, tudo.
Mas tudo, tudo isso e muito mais, nos odeia, nos quer destruir, separar, acabar de vez com nossa relação, com nosso namoro, com nosso amor. E só não consegue porque não estou nem aí para essas falsidades e te amo assim mesmo.
Ontem mesmo, sem fazer nada para que tantos inimigos me provocassem, passei por uma série de situações que enlouqueceria qualquer um que não defendesse com unhas e dentes o amor que sente. Parece que agiam conjuntamente, numa conspiração destruidora, como se uma situação dissesse a outra que mais cedo ou mais tarde ele vai ceder, vai cansar, vai entregar os pontos, vai desamar.
Acordei pensando em você e fui diretamente ao jardim olhar o seu rosto numa flor. Quando acariciei as pétalas e chamei o seu nome, o que era perfume sumiu, a flor logo murchou e da roseira desabou. Do que restou, um espinho furou meu dedo e sangrou.
Tendo a gota de sangue como símbolo da paixão, quis eternizar esse momento numa poesia que fosse a perfeita síntese do que sempre sentimos um pelo outro, num misto de encantamento e sedução, de desejo e arrebatamento, de certeza do amor demais.
Na segunda estrofe, quando já olhava seus olhos e ia beijar a boca, escrevi o seu nome para desgraça do poeta. E veio uma inesperada ventania, dessas que chegam acompanhadas de folhas e fúrias, e de repente o olhar se perdia no horizonte, o beijo se consumia pelos ares e o seu nome esvoaçava feito poeira.
E nessa manhã não pude ouvir nossa música, pois o som cismou de não aceitar o CD; quis cantar e do nada surgiu uma insuportável rouquidão; olhei no espelho para ver se estava bonito para você e eis que o espelho cai da parede bem no momento que eu disse: "Tudo em nome de Isolda".
Caiu bem em cima do meu pé descalço. Sangrando, ao invés de ir trabalhar fui procurar atendimento médico. Voltei pra casa e peguei o telefone para lhe avisar sobre o pequeno incidente. Tanto o residencial como o celular emudeceu de vez. Deixei pra ligar depois e deitei para descansar. Pensando em sonhar com você, me vem um pesadelo que me fez pular da cama.
Mas não pode ser, disse bem alto. E depois gritei: "Nada vai me impedir de pensar em você, de chamar o teu nome, pois eu te amo Isolda!". "Eu te amo Isolda, te amo Isolda!".
A casa começou a estremecer e saí correndo. Tudo caiu, tudo desabou. Mas eu continuei amando Isolda assim mesmo.
Hoje não tenho mais casa nem Isolda. Mas juro que continuo amando assim mesmo.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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