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sábado, 16 de outubro de 2010

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 17 (Conto)

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 17

Rangel Alves da Costa*


Sem nenhum preparo para usar arma, assim que apertou o gatilho o tiro dado por Mehiel fez ir pelos ares duas das telhas do quarto de Dona Mundinha. Mas foi um deus-nos-acuda, pois os policiais se jogaram em cima do velho sacerdote e em questão de segundos todos estavam esparramados no chão, buscando proteção embaixo da cama.
Feito o disparo, Mehiel correu para a porta dos fundos e saiu em disparada para local ignorado. Se as conclusões do policial estavam verdadeiras, poderia dizer que ele havia tomado o mesmo rumo da sua mãe em fuga. Verdade é que os dois, mãe e filho, agora se caracterizavam como fugitivos.
Mais uma vez não puderam rapidamente sair em perseguição ao fugitivo porque o Padre Antonio reclamava de fortes dores ocasionadas pelo impacto com que fora arremessado ao chão para ficar protegido de outros possíveis tiros do rapaz repentinamente desequilibrado.
Em meio aos "ais" e "uis" do representante da igreja, os policiais acharam melhor conduzi-lo para um posto de saúde. Deixando o sacerdote sob cuidados médicos, voltariam rapidamente para analisar melhor as coisas e os objetos encontrados e em seguida, com a ajuda de outros policiais, empreenderiam as buscas pelos fugitivos.
Para não ter que ir para o hospital, de repente o padre cismou que já estava recuperado e que precisava acompanhar todos os procedimentos investigativos dos policiais. Segundo o mesmo, tinha muito interesse no deslinde da situação. Mas não teve jeito mesmo, pois foi praticamente forçado a entrar no veículo e ser conduzido até o posto médico. Sorte que encontraram um profissional por lá e sob ordens de somente ser liberado quando estivesse totalmente recuperado.
Na volta para o local dos incidentes, o delegado veio pensando em muitas possibilidades, fazendo conjecturas e tentando remendar aquela complicada colcha de retalhos: A carta teria sido escrita por Dona Mundinha? Por que ela procurava acusar o filho daquela forma? Por que ela mentiu sobre o seu estado de saúde o tempo todo e fugiu daquela maneira? Além de ter acusado o filho, o que ela estaria escondendo?
E sobre Mehiel se perguntava: Por que ele havia assumido a prática dos atos descritos na carta? Será que ele sabia que sua mãe poderia estar envolvida naquela acusação? Por que protegia tanta sua mãe e demonstrava gostar tanto dela mesmo tendo conhecimento de suas atitudes? Por que fez aquele disparo e fugiu em seguida?
E quando achava que já havia se perguntado demais, ainda surgiu-lhe outras repentinas indagações: Até onde o Padre Antonio conhece essa história toda? Por que o sacerdote estava tão interessado naquele caso? O padre estaria envolvido com aquilo tudo? Mas não podia ser. Mas se fosse, se as investigações passassem a mostrar que o velho estava tão envolvido quando mãe e filho?
Assim que entrou novamente no quarto de Dona Mundinha e começou a revirar outras coisas em busca de pistas, logo encontrou alguns papéis cuidadosamente embrulhados dentro de uma sacolinha plástica, bem ao fundo do baú.
E num dos papéis estava escrito, com a mesma letra contida na carta que chegou à delegacia, o seguinte:
"Mundinha,
O Mehiel é um rapaz bom, é nosso filho, mas temos que afastá-lo das nossas vidas. Fiquei feliz quando você ficou viúva, e só Deus e a gente sabe como o finado morreu, porque pensava que a gente pudesse viver para sempre nosso amor, mesmo que escondido dos olhos dos outros. Afinal de contas, se os outros soubessem que sempre fomos amantes o mundo cairia na minha cabeça. O mundo e outras coisas, Mundinha.
Estou planejando aqui umas coisas para afastar Mehiel aí da casa. Depois eu entro em contato. Por favor continue mais adoentada do que nunca, fingindo que não pode fazer nada e que até parece perto de morrer.
Mas não morrerá tão cedo, pois teremos ainda algum tempo para lembrarmos dos nossos velhos tempos, fazendo tudo escondidinho. Mas tudo só será possível quando eu afastar esse danado daí.
Com um beijo do seu sempre apaixonado".
Mas só faltava essa, pensou o surpreendido e quase abobalhado delegado. Só faltava essa. Quem escreveu isso aqui escreveu a outra carta também. E quem escreveu as duas cartas está envolvido nisso tudo até o pescoço. Mas quem será o danado desse amante, se perguntou a autoridade policial.
Logo em seguida, chamou o outro policial e disse: "Vamos voltar agora mesmo ao posto de saúde".


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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