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terça-feira, 12 de outubro de 2010

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 13 (Conto)

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 13

Rangel Alves da Costa*


As pessoas não respeitaram mais nem a presença da polícia nem do padre e só não invadiram a casa para linchar Mehiel porque o velho representante de Deus ergueu uma cruz com quase meio metro e disse bem alto e voz firme que quem desse mais um passo estaria excomungado para sempre. A turba recuou amedrontada, porém sem diminuir a gritaria e as ameaças.
A mesma força da cruz teve efeito nos policiais, que baixaram as armas, se ajoelharam e começaram a chorar feito crianças famintas. O padre mandou que levantassem e explicassem melhor porque estavam ali para prender o rapaz. Eles não souberam explicar nada, apenas disseram que estavam cumprindo ordens do delegado. É estranho, mas diziam ainda chorando que queriam confessar todos os seus crimes e brutalidades ali mesmo.
Padre Antonio disse que não era momento para confissões, mas tinha a certeza de que era mais fácil um camelo gigante passar pelo buraco da mais fina e pequena agulha do que um policial entrar no reino dos céus. Aí foi que os homens choraram ainda mais.
Da janela onde ficava sempre, Dona Mundinha observava aquilo tudo com o rosto radiante, os olhos brilhando, as mãos juntas em oração, e com um semblante da mais pura felicidade. No seu rosto se escondiam sorrisos.
Mehiel, instantes depois, saiu porta afora e foi logo perguntando o que estava acontecendo. A multidão tentou avançar contra o rapaz e o sacerdote pediu que pelo amor de Deus ele entrasse em casa e se trancasse. Porém o mesmo não se intimidou, não aceitou tal proposta e exigiu explicações, perguntando ao povo e aos policiais o que estavam fazendo ali.
Desesperado, o Padre Antonio pedia calma e mais calma, até que empurrou Mehiel pra dentro de casa e depois chamou os dois policiais para uma rápida conferência. Ninguém sabe ao certo o que ele disse aos dois, mas o que se viu foram eles avançarem sobre as pessoas e exigindo que saíssem dali naquele mesmo instante sob pena de serem todos presos no mesmo instante. Logicamente que tiveram de fazer isso com armas em punho, e com a permissão do sacerdote.
Quando o povo já havia se dispersado e retornado, o Padre Antonio chamou os dois policiais e exigiu que mostrassem o mandado de prisão decretado contra o rapaz. E disse ainda que se não exibissem estariam cometendo abuso de autoridade e causando graves constrangimentos e atentando contra a sua dignidade física e moral enquanto pessoa humana.
E como os policiais não puderam apresentar nada e mais uma vez não souberam responder sob qual acusação Mehiel seria preso, afirmando apenas que cumpriam ordens do delegado para que viessem prender o monstro, informando ainda quem seria o monstro que deveria ser preso, então não tiveram saída.
Então o padre perguntou aos dois: "Quer dizer que vocês vieram prender o monstro, não foi isso mesmo? – E chamando Mehiel – Então o tal monstro é esse rapaz aqui, não é mesmo? E vocês sabem o que esse monstro fez para ser preso, enjaulado? Na verdade me digam, vocês sabem o que é um monstro?".
Cabisbaixos, os policiais sentiam-se totalmente envergonhados diante das perguntas do padre. Ameaçavam começar a chorar novamente, porém eram repreendidos pelo homem da igreja. Até que um deles falou: "Mas seu padre, o que é que vamos dizer ao delegado, vamos dizer que não encontramos o monstro?".
"E por acaso vocês encontraram o monstro? Onde está o monstro, me mostre, digam-me, apontem-me onde está o monstro. Alguém entre a gente tem cara, jeito, feição, garras, cheiro de monstro?", perguntou ainda o velho sacerdote, já parecendo enraivecido. E continuou:
"Mas como vocês ajudaram mais do que prejudicaram, foram até bonzinhos, e para não tornar ainda mais difícil a situação de vocês, podem dizer ao delegado que logo mais eu mesmo apresentarei o monstro na sala dele. Digam ainda que ele pode preparar a jaula, vez que pretende ter um monstro dentro dela. Mas tem uma coisa, pois digam também que esteja com as provas suficientes sobre as monstruosidades do monstro. Do contrário eu mesmo vou representá-lo perante as autoridades competentes. Agora podem ir."
Os policiais retornaram e um pouco mais tarde Padre Antonio e Mehiel adentraram na delegacia, sendo conduzidos imediatamente até o gabinete do delegado.
O homem da polícia não fez de bom gosto não, mas teve que beijar a mão do homem da igreja. E depois de conversas preliminares cheias de desculpas, disso e daquilo, de coisinhas que bem poderiam deixar de ser conversadas, o delegado disse:
"Eu mesmo não posso acusar ele de nada. O problema todo é essa carta aqui...". E mostrou na mão um papel muito, mas muito parecido com aquele outro que estava com Dona Mundinha.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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