SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 30 de outubro de 2010

NATUREZAS-MORTAS E CASARIOS: UM OLHAR DE SOLIDÃO (Crônica)

NATUREZAS-MORTAS E CASARIOS: UM OLHAR DE SOLIDÃO

Rangel Alves da Costa*


A arte, por mais representatividade e expressividade que possa conter em sua beleza criativa, é também uma forma de manifestação da solidão. Na pintura, o traço e a cor muitas vezes são caminhos para a tristeza, a angústia, o sofrimento e a dor. E acima de tudo solidão.
O artista, no seu ato de imaginação e criação, no esconderijo do seu ateliê ou do seu mundo, é um ser eminentemente solitário. O que é esboçado, desenhado e pintado na tela nada mais é do que uma solidão imposta pelo artista. E solidão esta que também é imposta ao artista por outras motivações.
Ora, além da paisagem ser triste e melancólica, há propositalmente um sol que se esconde, uma noite sem brilho, uma lua triste, estrelas sem luz, motivos que entristecem quem caminha pelos caminhos tortos, ruas sem saída e horizontes sem passarinho nem vida. E o que é pior: o pintor sempre fecha as janelas e portas, coloca um véu no rosto de alguém, faz com que se enxergue somente o silêncio, o desconstruído, a tristeza mesmo.
O apreciador da arte, imaginando se encantar com a multiplicidade das cores, com traços fortes e alegres, com óleos e aquarelas que simbolizem tudo de belo que há na vida, de repente se vê imaginando caminhando por paisagens tristes, dentro daquelas casinhas fechadas e buscando compreender porque, ainda assim, há tanta beleza, encontro consigo mesmo e reflexo psicológico em tudo aquilo que era pra ser diferente.
Contudo, existem criações artísticas que já são produzidas com a certeza do alcance. Não há maiores expectativas no impacto que possa causar no apreciador da pintura, pois já nasce tendo por motivo o retrato, a paisagem, o abstracionismo, o engajamento, dentre outras características próprias de cada pintor. Assim, nada demais encontrar jardins aquáticos em Monet, bandeirinhas e bandeirolas em Volpi, marinas em Pancetti.
Mas tudo isso é muito normal, apenas arte. Mesmo sabendo que vão ficar mais entristecidos, mais indagadores, mais molhados e mais alados com a visão, os olhos de muitos correm para diante das telas onde estão as naturezas-mortas e os casarios. Que gêneros mais tristemente realistas!
Segundo os estudiosos, naturezas-mortas são gêneros da pintura onde o artista reproduz, geralmente em tons ocres ou amenos, cenas com objetos de cozinhas populares ou seres inanimados, tais como frutas, flores, livros, taças de vidro, garrafas, jarras de metal, porcelanas, dentre outros objetos. Já os casarios fazem parte da pintura de paisagens, onde o artista se volta para a reprodução de fachadas de prédios históricos, antigos casarões ou moradias simples, dispostas nas ruas também de antigamente.
Estar diante de tais gêneros é impor ao olhar nada mais do que a realidade simples da vida. E esta realidade disposta nos casarios e nas naturezas-mortas doi e afeta porque a pessoa se defronta com aquilo que conhece bem, que viveu e conviveu, mas que está se tornando cada vez mais difícil de ser encontrada.
Nada mais belo e sublime do que poder ver e conversar com prédios rústicos e antigos, nas ruas que vão se estreitando e em calçadas por onde já se começa a caminhar, porque é tudo retrato de um tempo e uma realidade que nos faz muita falta. E lá está a cidadezinha representada na casa antiga, de rica construção ou pobrezinha, na calçada de paralelepípedo que vai dá igrejinha ao fundo, no sol que vai se escondendo por trás da montanha.
Para o olhar triste que repousa sobre a tela há a certeza de que aquela ruazinha é igual a rua que nasceu, cresceu e caminhou; aquele casarão ficava na esquina e de sua janela de repente surgia a moça mais linda do mundo; a casinha simples, com portas azuladas guardava ele por dentro. E no seu interior as coisas simples da vida e de uma casa: a fruta na mesa, o jarro de flores, o vinho, a taça. E a solidão, a solidão...



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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