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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 16 (Conto)

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 16

Rangel Alves da Costa*


Quando o velho sacerdote ouviu o policial dizer que viu uma pessoa de preto correndo desembestada pra dentro do mato, não pôde acreditar na informação e, já cansado por todos aqueles transtornos daquele dia, não suportou e caiu desmaiado.
Foi preciso uns cinco minutos e umas cinco cuias de água para o homem da igreja voltar a si. Depois disso e mais outros cinco minutos e verificou-se um verdadeiro milagre, pois bastou que ele tirasse uma garrafinha com um certo líquido de dentro da maletinha e de repente já estava apto para correr maratona, como dizia todo vermelho e alegre.
Nesse tempo que ficaram reanimando e cuidando do Padre Antonio, foi o tempo mais que suficiente para que a pessoa de preto já tivesse se escondido bem escondido ou mesmo já estivesse muito longe, difícil de ser alcançada por enquanto. Na carreira que ia, derrubando garrancho e passando por cima de paus e pedras, já havia sumido no meio do mundo.
O delegado se preocupou por não ter perseguido logo, mas depois viu que não poderia ser diferente. Iria ao encalço mais tarde, mas encontraria de qualquer jeito, estava decidido. Afinal de contas, já que tinha conhecimento que Dona Mundinha vivia sentada naquela cadeira toda vestida de preto, e ela não estava lá, a cadeira ainda estava balançando e o policial avistou correndo um vulto todo de preto, só poderia ser ela. Mas por outro lado, como poderia ser a velha se ela vivia toda doente e entrevada da cabeça aos pés? Mistérios, mistérios...
Mehiel estava aflito não só com o desaparecimento da mãe, mas também com suas peças de barro que haviam cozido demais no forno da olaria. Daquela vez havia perdido toda a produção. Contudo, no momento que foi verificar o estado de suas panelas, moringas e potes, encontrou algo bem estranho jogado dentro do forno e por isso mesmo na maior parte tornado cinza.
Pelo que viu e chamou os outros para verificarem de perto, eram restos de tecidos coloridos jogados ali às pressas, pois uma saia havia caído nas proximidades. Aquelas roupas multicoloridas eram de sua mãe, disso não tinha dúvidas, e fazia parte do seu guarda-roupa quando ainda vestia roupas comuns e não somente aqueles negrumes de luto.
Para ter a certeza do que imaginou e a oportunidade de ver o que tanto sua mãe escondia a sete chaves no velho baú e no guarda-roupas, foi até o quarto e, para sua surpresa, as trancas e fechaduras estavam abertas e roupas, papéis e outros objetos à vista. Ao entrar na porta do quarto, o sacerdote levou a mão à boca e disse espantado: "Mas o que é isso meu Deus?!!!...".
O filho não quis ver tudo não, mas o delegado, o padre e o policial encontraram por ali livros e retratos pornográficos, instrumentos eróticos, uma meia dúzia de velas pretas, baralhos com figuras sinistras que fizeram o padre se benzer, imagens demoníacas em barro, imensos charutos, pacotes contendo ervas secas, três punhais, algumas facas e canivetes, bonecas e bonecos de panos cravejados de imensas agulhas, vidros e outros recipientes com líquidos de diversas cores, enfim, um intricado número de instrumentos para se fazer meio mundo de coisas, principalmente magia negra.
O Padre Antonio abriu outro frasquinho, desta vez com água benta, e começou a respingar por cima daquilo tudo. Com olhos atônitos, sem saber o que dizer diante de tanta surpresa, os policiais apenas se olhavam e faziam o máximo possível para não se aproximar muito nem pegar com a mão aqueles objetos.
"O que isto pode nos dizer padre?", perguntou o assustado delegado. "Por ora, diante do absurdo e sinistro que estamos vendo, só podemos dizer que Dona Mundinha é uma pessoa muito mais perigosa do que poderíamos imaginar. É de chegar a uma triste conclusão de que escondida por trás daquela figura fingida e triste estava uma mulher perturbadoramente diabólica, fria, estrategista e maldosa", respondeu o entristecido padre.
"Contudo, mesmo com tudo isso que presenciamos e supomos, ainda não há um significado prático nenhum, pois não a encontramos, não encontramos a carta, e por isso mesmo não podemos comprovar nada. E o que é pior é que tudo isso que está aí não prova nada, pois são apenas objetos que estavam num baú e num guarda-roupa, só isso. Até agora, infelizmente, fica valendo apenas a acusação contra ele que havíamos recebido. E por falar nisso, onde está Mehiel?". Perguntou o delegado, após proferir tais conclusões.
"Ele deve estar na sala, lamentando a coisa ruim que a mãe é, chorando a desventura de ser filho de uma feiticeira, uma bruxa, uma pecadora de marca maior, cujas intenções diabólicas estão aqui comprovadas. Ele deve estar...". O padre nem acabou de falar e ele apareceu gritando, nervoso, com uma arma na mão.
"Não falem assim de minha mãezinha não. Ela é boa e santa, vocês é que são uns demônios. Minha mãezinha é uma santa e vocês são uns pecadores. Minha mãezinha é pura e por terem falado e pensado mal dela é que vão morrer...".
E apertou o gatilho.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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