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domingo, 10 de outubro de 2010

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 11 (Conto)

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 11

Rangel Alves da Costa*


"Não seja por isso padre. O problema não é devolver ou não esse maldito ou bendito papel, sei lá. O problema é saber o que está escrito aqui que mamãe não quer que a gente saiba de jeito nenhum. Tome a carta padre, e abra agora mesmo, por favor...". Bastou Mehiel pronunciar tais palavras e Dona Mundinha começar a gemer, e em seguida fazer gestos como se estivesse com uma falta de ar muito grande.
O filho já conhecia as artimanhas da mãe, e no momento ela estava representando mais uma vez, tinha certeza. Por isso mesmo nem ligou pra falta de ar dela nem pra qualquer outro tipo de sintoma que pudesse surgir. Afinal de contas sabia que ela só estava fingindo o tempo todo, que não tinha doença nenhuma, nem mesmo aqueles problemas de saúde que geralmente surgem nas pessoas em idade avançada.
"Vamos, meu filho, dê-me logo essa carta. Não está vendo o estado de sua mãe, tão fraquinha, tão desmilinguidazinha, tão cheia de dores e achaques. Essa falta de ar pode matar ela, você sabia? Então vamos, dê-me essa carta que talvez seja a última alegria que sua mãe tenha em vida, a coitadinha. E quem sabe se aí nesse papel não está alguma coisa confidencial que ela não queira que ninguém leia, ou até mesmo um testamento, quem sabe? Então, dê-me Mehiel...".
O padre confiava demais na sua mãe, pensou. E falou em seguida: "Não se preocupe não Padre Antonio que vou entregar agora mesmo essa carta. Assim que eu entregar e ela retomar a saúde novamente peço que o senhor guarde um instantinho pra mim, pois quero conversar com o senhor sobre umas coisinhas. Umas coisinhas assim – E olhando pra mãe – como doença, vizinhança, fofoca, roupa florida e sandália enfeitada...".
E Dona Mundinha deu um grito que parecia que ia pro beleléu naquele mesmo instante. E em seguida, toda vermelha e tremendo, se abanando convulsivamente, pediu água. "Corra meu filho, traga água enquanto ministro a extrema unção", disse o aflito padre.
"Vou buscar água padre, mas extrema unção não precisa não, pois isso aí logo logo passa. E sabe por que ela ficou assim padre? Ela só ficou assim porque eu disse que ia conversar com o senhor sobre umas coisas, assim como roupa enfeitada e...". Mehiel foi prontamente interrompido pelo sacerdote: "A água, a água que ela desmaiou...".
E enquanto ele saía para buscar a água o padre começou a ministrar o último sacramento, sendo ouvido pela própria Mundinha que estava com um olho meio aberto assistindo tudo e pensando no que iria fazer dali em diante. E o padre dizia:
"Com este óleo te dou o último sacramento em nome do Senhor, com a oração da fé que a salvará para a vida eterna e a livrará dos pecados terrenos acaso tiver, pois vais ao encontro de Deus como uma boa filha, boa mãe e grande pessoa entre todos, e seguirá para a vida eterna com a oração que o Senhor nos ensinou: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia nos dá hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores; E não nos induzas à tentação; mas livra-nos do mal; porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém".
"Amém, padre amém. Mas não está vendo que ela está com um olho aberto não e com um jeito de quem quer sorrir de sua unção?", foi o que disse Mehiel, em pé, com a caneca de água na mão, esperando o padre ministrar o desnecessário sacramento para o momento. E virando-se para pegar a água, o padre respondeu:
"É assim mesmo meu filho. Quantas vezes já vimos pessoas à beira da morte parecer totalmente recuperadas, levantar da cama, andar, conversar e sorrir, para depois, num segundo, desvanecer de vez? É assim mesmo meu filho, é assim mesmo. De qualquer maneira, se a fé em Deus ajudar que ainda não tenha chegado sua hora, então melhor assim. Mas vai ficar valendo o sacramento cristão, a extrema unção que foi ministrada. Contudo, é preciso que a partir de agora ela não peque nem em pensamento, senão é certeza de ser desviado o caminho e ela seguirá direto para o fogo da geena".
Ao ouvir sobre tal fogo, Dona Mundinha fez gestos de quem já estava voltando a si, se benzendo três vezes e mais três. Padre Antonio ficou espantado com aquela recuperação tão rápida e então resolveu que era hora de entregar o papel a ela. Fez um sinal para Mehiel e este estendeu o braço com a carta na mão.
Entregou o papel dobrado ao sacerdote e pediu: "Agora leia padre, por favor". Então Dona Mundinha avançou em cima do velho sacerdote, deu-lhe um sopapo que este caiu pra trás e arrebatou a carta".


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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