*Rangel Alves da Costa
A casca de pau é a bebida autenticamente
sertaneja, também conhecida como raiz de pau ou cachaça da terra. É preparada a
partir da cachaça limpa, de engenho, misturada com raízes, folhas ou cascas de
árvores matutas, colhidas nos carrascais catingueiros.
A cachaça é despejada em litro e depois
recebe a mistura escolhida: angico, cidreira, quebra-pedra, quixabeira,
pimenta, ameixa, pitó, coentro, além de muitas outras misturas. A casca, folhas
ou raízes, são tampadas com a cachaça e não dura muito para começar a receber
uma coloração diferenciada, segundo a infusão feita.
É um verdadeiro sucesso no mundo-sertão.
Sempre foi assim, desde os primeiros desbravamentos. Tida também como remédio
(se tomada na medida), é bebida do homem da terra, do matuto, do caboclo, do
sertanejo depois da lide de todo dia ou entremeando um afazer e outro.
Bebida de pé de balcão, de bar nas distâncias
e botequim de ponta de rua, também de relevância garantida nas melhores e
sortidas prateleiras. Quem vai beber uma cerveja, a entrada é logo uma casca de
pau. E tem gente que prossegue na pinga mesmo, principalmente se for
acompanhada de umbu, de pedaço de caju, uma fruta qualquer para tirar ou dar
gosto.
É demasiadamente apreciada por vaqueiros,
lavradores, agricultores, por pessoas de todos os níveis e quilates sociais.
Mas sempre melhor servida e bebida se ao pé do balcão e derramando um tiquinho
ao santo beberrão que vive oculto nos bares.
O sucesso é tão grande, que toda sexta-feira
uma turma de jovens vaqueiros se dirigem ao Memorial Alcino Alves Costa, em
Poço Redondo, no sertão sergipano, para apreciar sem pressa a quixabeira, a
umburana, a cidreira, a cachaça da terra. E bebem muito, de secar litro e
enveredar noutro sabor.
Como dito, toda sexta-feira (também dia de
feira na cidade), já perto do meio-dia, e eles adentram o portão e seguem na
direção de onde as garrafas estão colocadas. Na verdade, as bebidas do
Memorial, e somente casca de pau, estão ali colocadas com objetivos outros que
não apenas a de bebericar até dizer chega.
A cachaça ali existente, além de servir como
aperitivo ao visitante, certamente que possui a intenção de mostrar o costume e
o gosto sertanejo pela casca de pau. Como num autêntico botequim, as bebidas
estão em prateleiras, com os nomes da casca, raiz ou folha, e ao dispor do
visitante.
Contudo, os jovens vaqueiros de Poço Redondo
vão até o local e até se esquecem de que o mundo existe. Chegam, andejam um
pouco pelos espaços, depois passam os olhos pelo sortimento de bebida, pedem um
prato para colocar a fruta da vez, em seguida lançam mão de um litro da cachaça
escolhida e sentam à mesa.
Fazem assim pela acolhida que sempre têm e
pela paz e tranquilidade que há no local, bem como gostam de estar ao lado da
própria história sertaneja. Sentem-se em casa, como se diz. Sentem-se num
ambiente onde podem conversar sem rodeios e dialogar sobre o mundo sertanejo
onde labutam na vida de gado.
Conversam principalmente sobre vacas, bois,
novilhas, vaqueiros e vaquejadas. Todos do metiê da vaquejada, da cavalgada, da
cavalhada e da pega-de-boi brabo no mato, muitas vezes ali jogam suas alegrias
e seus infortúnios. Também cuidam das secas, das chuvas, das lavouras, de
assuntos cheirando a terra e curral.
E eu - que já não bebo nem cerveja sem álcool
- ponho-me apenas a ouvir, fazendo uma pergunta de vez em quando, mas deixando
fruir aquela sabedoria. E sempre aprendendo, sempre colhendo naquelas lições
matutas, as motivações para muitos dos meus escritos.
E enquanto isso, mais uma dose de cidreira,
de pimenta, de quixabeira, de capim santo. E assim a vida vai. E assim a
vaqueirama entorna sua pinga com sabor do mais autêntico sertão.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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