*Rangel Alves da Costa
“Decerto
Brió, decerto. O que espinha a gente num é espinho de mato não, Brió. E tenha
certeza disso. Espetada de mandacaru é dor que passa. Pinicada de facheiro é
dor que passa. Prefiro a espetada do mato, na dor que dói e que passa, do que a
espetada do povo. Espinho de gente tem cura não. A pele pode nem ferir, mas o
coração agoniza pela maldade, pela falsidade e pela injustiça...”.
Já me
lanhei de tufo de mato afiado. Mas veja, amigo Brió, o sangue escorrido foi
sangue logo sumido. Um arranhãozinho e acabou. Também sei o quanto coça urtiga
e cansanção. Na pele, é mesmo coisa de endoidar. Mas digo, continuo dizendo que
nada igual à urtiga e cansanção que vem da língua do povo, da boca maldosa do
povo. Uma gente que só não é arma de vez porque a natureza num quis assim, mas
que tem o mesmo poder de matar.
Coisa de
ponta afiada tem por todo lugar da mataria. garrancho de catingueira parece
faca amolada. Espinha de quipá fez estrago até no olho de Lampião. O que não se
avista de repente, no instante seguinte já tá pinicando a pele. Ponta afiada,
miúda, a pessoa nem imagina o estrago que faz. Depois do sangue jorrado e da
marca na pele, então é tudo em acabação. Mas duvido Brió, duvido compadre, que
eu num prefira mil vezes ser arranhado e azunhado assim.
Como disse
compadre, a dor das coisas do mato é dor que passa. Pode ser a ponta de pau
mais afiada do mundo, pode ser o espinho mais perigoso do mundo, pode ser a navalha
em forma de folha, mas nada igual à selva do homem. No mato, o espinho está por
todo lugar, mas na cidade o espinho está em tudo. O espinho envenenado está no
olho, na boca, na mão, no pé, no corpo inteiro. É um povo que já olha matando.
É uma gente que já enterra antes de matar. E todo mundo contra todo mundo, até
parente contra parente. Já vi bicho de mato maldoso, mas igual ao bicho homem
não há igualia no mundo.
Sei não,
compadre, sei não. Já nem sei de quantas espinhadas eu já tomei em minha vida
de mato. Em cima do cavalo ligeiro, todo encourado, mas de repente a ponta do
espinho acertando bem onde estava desguarnecido. Na lide de caçador, cortando
mataria e todo tipo de tufo de mato, vez por outra eu me via sangrando sem ao
menos saber o que era. Ora, mas era espinho, ponta de tudo enfiando na pele.
Doía, ardia, sangrava, mas não demorava muito e tudo já tava cicatrizado. Agora
pergunto compadre, ponta de língua afiada cicatriza na honra, na alma, no mais
profundo do ser humano?
Vou dizer
mais compadre, vou dizer mais. Dizem que espinho de palma faz até o sujeito
perder o dedo se não cuidar logo depois de ter enfiado na pele. É assim mesmo,
pois o bicho parece que tem veneno. Mas dito bem. O risco está no descuido e no
deixar pra lá. Ainda assim, o espinho de palma num chega nem perto da língua de
muita gente. Uma vez ferido pela língua, uma vez sangrado pela afiação da
maldade, tudo desanda de vez, pois é morte certa. Não a morte de acabação, mas
a morte daquilo que de melhor a pessoa pode ter, que é o seu nome, a sua honra,
a sua reputação. E tudo pode acabar por causa desse espinho maldoso do fi da
peste.
Bom mesmo,
compadre, era que cada gente assim tropeçasse em si mesmo e caísse com tudo em
cima da ponta afiada. E ao levantar já num tivesse serventia de nada.
Envenenado tava e envenenado continua. Acabar o mal pelo mal”.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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