*Rangel Alves da Costa
“Você já foi buscar sua cartinha lá no Bairro
São José? Se ainda não foi, então cuide de ir, pois crianças carentes da
comunidade precisam que você adote uma cartinha e, através de um presentinho,
de uma lembrancinha natalina, possa tornar seus momentos mais felizes!”. Foi
assim que li na primeira vez. Estava – e ainda está – num grupo de rede social
voltado para o repasse de informações sobre Poço Redondo e região sertaneja.
Conheça Poço Redondo é o nome do grupo no Whatsapp.
Conheço muito bem a comunidade do Bairro São
José, maior núcleo habitacional de Poço Redondo, quase um sertão dentro de uma
cidade. O tamanho do núcleo é quase igualado à sua pobreza. Em muitas moradias,
ainda o mais sofrido e fiel retrato da carência absoluta. Por trás das paredes
e portas, em casas geralmente de muitos filhos, a penúria alarmante num mundo
alardeado como já despojado da miséria absoluta.
Se há miséria, se há pobreza de causar
espanto e dor no coração, ali poderá ser encontrada sem muitas dificuldades.
Imagine-se – ou espante-se - que numa comunidade de maioria empobrecida, parte
dessa maioria ainda indica as ruas e vielas de situação mais alarmante.
Significa dizer que necessitados informam sobre a existência de mais
necessitados ainda. Em poucas palavras: não há como negar a pobreza!
É nesse meio de desvalidos que vão surgindo
pelas portas e janelas os olhares infantis entristecidos, melancólicos,
desesperançados. É nesse meio de difícil vida e viver que os becos e ruas de
repente são tomados por crianças de todas as idades. Algumas vestidas, outras
só de cueca ou bermuda, mas geralmente de pés ao chão. Talvez até por gosto de
criança mesmo, pois pé no chão é coisa de criança mesmo. Mas nem sempre assim.
Muitas vezes são forçadas a estar assim. Não há chinelo, a pouca roupa está
suja, então o menino vai viver seu mundo de qualquer jeito.
O quadro, contudo, que não está alastrado
pela comunidade inteira, felizmente. Moradias luxuosas para os padrões
interioranos ladeiam barracos, casas miúdas, casebres. Garagens com carros
possantes fazem vizinhança com a criança que sequer possui um carrinho de
brinquedo para iludir sua idade. O normal, porém, é que nenhum luxo ou além da
necessidade faça parte da vida da maioria de seus habitantes. E é esta maioria
que realmente caracteriza aquela comunidade. E é esta maioria que possui mais
filhos e estes sempre renegados pela sorte grande de serem simplesmente
felizes.
Mas foi dentro da comunidade que surgiu a
ideia da cartinha, do envelope apenas com o nome da criança e do brinquedo
desejado e tão sonhado. Que ideia maravilhosa das pessoas que fazem parte da
associação comunitária. Como havia o desejo de proporcionar alguma alegria
àquelas crianças e não havia recursos suficientes para atender sequer a mínima
parcela, então pensaram no melhor a ser feito e lançaram a ideia nas redes
sociais. De início, apenas umas poucas pessoas se predispondo a ajudar, mas
logo, com a postagem de fotos com crianças felizes e sorridentes recebendo seus
brinquedos, um grande número de adotantes de cartinhas começou a surgir.
Que coisa boa que tenha sido assim. Que bom
que muitas cartinhas foram adotadas e muitos presentes já foram pessoalmente
levados ou chegados às crianças daquela comunidade do Bairro São José. Contudo,
uma situação que continua sendo difícil de ser resolvida. Certamente não haverá
presentes para todos, e muitos, já ansiosos desde que deram os seus nomes na
esperança de um presentinho, sentem-se ansiosos e amargurados por saberem que
muitos já receberam seus brinquedos e eles ainda não. Sei que muitos já
choraram, já perguntaram aos pais por que ninguém lia sua cartinha, já
procuraram a associação para saber se algum Papai Noel teria aparecido. E o que
fazer, então?
Dado o grande número de crianças,
dificilmente a maioria receberá seu presentinho. Muitos já foram agraciados, já
sorriram, já pularam, já festejaram seu instante tão esperado. Mas muitos ainda
não. E quanto mais o tempo passa mais a aflição toma conta não só das crianças
como do pessoal da associação e da comunidade inteira. O que dizer e como dizer
a uma criança que sua cartinha foi recebida e o seu Papai Noel não veio? E o
mais difícil ainda: que a sua cartinha sequer foi escolhida por alguém.
Em situações assim, há que se reconhecer que
o sol das crianças também não nasce para todos. Mesmo a dor que restar nos
corações afligidos, importante mesmo é reconhecer o valor de ideias assim, da
cartinha e seu adotante. Mesmo que o presente não tenha custado mais que uns
poucos vinténs, mesmo que a demora para ser entregue tenha sido grande, ainda
assim nada mais belo e confortante que a imagem de uma criança toda feliz e
radiante ao ter às suas mãos sua lembrancinha. E muitos sorrisos assim já foram
espalhados.
Na cartinha que adotei estava escrito: “Um
carrinho com controle remoto”. Impossível descrever a reação da criança ao
receber seu presente. Também impossível descrever minha reação interior por ter
dado apenas um tiquinho e provocado tamanha felicidade.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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