*Rangel Alves da Costa
Boa tarde,
boa noite, como vai Dona Clotilde? Como vai a saúde, sei que tem andado meio
adoentada, mas já está reconquistando as forças necessárias na estrada? Sei
muito bem que jamais irá, por conta própria, abrir essa cartinha e catar as
letras miúdas perante o olhar. Mas escrevo assim mesmo, apenas como desabafo
dessa sofreguidão que me prende e me atormenta por dentro.
Essa
cartinha, custosa a sair pela letra trêmula por causa de minhas ingratidões e
arrependimentos, é como se fosse minha voz na beirada de sua calçada ou na
saleta da frente de sua casinha ali na esquina da Praça de Eventos. A mesma
saleta onde eu sempre encontrava minha saudosa amiga Neném para um proseado. E
também onde eu fiz questão de levar à parede um retrato bonito de um encontro
entre amigos. Na moldura, a senhora e sua filha Neném sentadas juntinhas no
sofá da sala. Ou era apenas eu e Neném, agora não recordo bem. Mas continua aí
como viva recordação.
Pois bem,
Dona Clotilde, depois da partida de Neném e o tempo passado, forçosamente
reconheço-me como um ingrato amigo. E quanto desprezo, Dona Clotilde, quanto
desprezo. Passo por aí, ando por aí, vou e volto, e sempre sem chegar à sua porta
para uma visitinha. Nunca fui assim. O que está acontecendo comigo? Contudo,
compreenda-me.
Sei que nada
justifica a distância constante dos grandes amigos, nada serve como desculpa
para não visitar aqueles que tanto gostamos. Mas se, de um lado, é erro
imperdoável de minha parte, de outro também é fuga das lembranças e das
saudades. Não consigo avistá-la sem que esteja vendo Neném bem ao lado. Não
consigo entrar na sala sem recordar sua filha bem sentadinha ali, na pouca
palavra, no sorriso tímido, no seu jeito meigo de ser. Ela era assim.
Porém já
retornei outras vezes. Poucas palavras, visita rápida, brevidades apenas. Mas
não posso agir assim. Eu não posso me distanciar dos velhos amigos de Poço
Redondo. Ando desprezando demais quem eu amo, quem admiro, quem eu guardo
profundo apreço. Veja que coisa! Já faz um bom tempo que eu não renovo uma
visita a Neném de Anita. Será que ando me esquecendo de Seu João Capoeira? Não
posso esquecer. Brasilino, como vai você? Mariá, minha amiga Mariá, devo uma
visitinha viu?! Já faz tempo que não visito Dona Prazerinha e Mané Anjo.
Já prometi
a Dona Ceição de Laura que passaria com ela uma tarde inteira, ouvindo suas
histórias, tecendo um proseando encantador. Somente de vez em quando - e
casualmente - eu encontro Cenira, Irlade e outras amigas. Minha amiga Ciene
anda doente e eu não tenho nem coragem de ir lá. Não por esquecimento, pois bem
sei o que ela e sua família representam na minha vida, mas por uma angústia
terrível em saber o que ela está passando. E dói demais saber do seu
sofrimento.
Perdoa-me.
Ou perdoem-me. Eu sei muito bem da importância de uma simples visita, de um
abraço, de uma demonstração de afeto e respeito. Erro meu - e tão grave erro
meu - ao avistar pessoas ao longe e apenas acenar. Eu tenho que ir até lá, eu
tenho que ir abraçar, eu tenho que sentir junto a mim cada presença. E sabe o
que sinto quando de repente uma dessas pessoas esquecida se aproxima para um
abraço apertado?
Choro por
dentro e por fora. E não posso simplesmente esquecê-las de jeito nenhum. Tenho
de ir, tenho de estar presente, pois nada se sabe sobre o amanhã e nunca é bom
recordar apenas com angustiada saudade. Tenho que visitar mais as calçadas ao
entardecer. Tenho que visitar mais os amigos enfermos e solitários. Tenho que
chegar pertinho de cada um e perguntar: “Como vai?”.
E daí
deixar que as palavras encontrem por si mesmas as mais doces e melhores
recordações. Bem assim mesmo, Dona Clotilde. Juro não fazer mais assim. Juro
bater à porta, juro chamar à janela. E levar a cada um o presente maior que eu
tenho a dar: o meu respeito e o meu mais sincero afeto!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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