*Rangel Alves da Costa
No intuito de publicação em jornal impresso,
o texto foi acrescido e agora republicado, mas continuando com a mesma
gostosura, aroma e sabor. E uma vontade danada de querer fazer bolo de feijão,
molhar na pimenta e mastigar sem pressa nem medo de engordar. Segue, então.
Não sei por qual motivo ou mistério, mas a
verdade é que logo cedinho me veio um cheiro perfumado e temperado de feijão
verde de corda com carne de bode. E no cheiro da panela fervendo, da comida
pronta, daquele tempero autenticamente sertanejo, também uma vontade danada de
comer.
Que coisa mais estranha, aprazível e
apetitosa. Mulher grávida é que de repente inventa de estar sentindo esses
cheiros e logo vem com inesperados desejos. Belânio de Queremilda se viu feito
doido quando em meio a madrugado a mulher grávida desejou comer sopa de cabelo
de boneca de milho. Ele então disse que ia à roça e nunca mais voltou.
Tais coisas acontecem, é verdade. Mas comigo
foi coisa de estranhar mesmo. Dependendo da fome, até que seria normal sentir
cheiro de cuscuz, de tripa, de café, mas por que logo de feijão de corda com
carne de bode, como alimentos únicos e inseparáveis naquele momento? E tão cedo
era que ninguém da vizinhança poderia estar preparando aquele tipo de comida.
Feijão de corda cozinha rápido, carne de bode não demora muito para ficar no
ponto de comer e se lambuzar.
O problema era o cheiro, o aroma temperado
tanto do feijão como da carne. Era como se eu estivesse numa cozinha e já
destampando a panela para sentir pelo ar aquela quentura balsâmica subindo e
subindo, sendo completamente tomado pelo prazeroso perfume sertanejo. Um cheiro
verdoso, temperado, apetitoso. O outro cheiro oloroso, acentuado pelos
temperos, enchendo a boca de água e o estômago desejoso de saborear.
Já imaginaram: feijão de corda verdinho,
novinho, preparado no tomate e cebola e recebendo um pouco de coentro já em
ponto de ser servido. Já imaginaram: uma carne de bode carnudo, recém-chegada
da banca da feira, lavada e bem lavada, cortada e colocada na panela com todos
os temperos existentes na cozinha sertaneja. Colorau, tempero, alho, cebola,
pimentão, tomate, e mais e mais. E depois deixar que o fogão de lenha ou a gás
cuide do resto.
Tanto o feijão de corda como a carne de bode
é de cheiro inconfundível quando está cozinhando, e também depois de pronto
para ser servido. Fácil demais comprovar. Basta levantar a tampa da panela uns
dois minutos depois de o fogo já estar desligado. A pessoa come ali mesmo, só
com o cheiro, sem precisar de prato, garfo, colher, nada. Muita gente até
despeja numa xícara o caldo ralo do feijão e bebe de se fartar. Com tiquinho de
farinha também desce bem.
Mas
naquela hora da manhã - bem antes das oito - era como se eu estivesse à mesa e
tendo um prato já devidamente preparado com tais iguarias. E mais: com um
tiquinho de pimenta ao lado para molhar e dar um sabor mais picante ao feijão.
A pimenta, aliás, faz parte desse trio de gulodice: não há feijão de corda com
bode sem que o molho de pimenta esteja intrometido. Para muitos, o verdadeiro
sabor vem do caldo da pimenta logo ao lado.
O sertão conhece muito bem essa história. Os
de mais idade (e talvez alguns jovens) algum dia já experimentaram o feijão de
corda comido em bolo. O prato é preparado normalmente, com feijão, farinha e
carne, mas ao invés do garfo ou colher, a pessoa mete a mão no prato e começa a
amassar a comida até formar um bolo. Depois é só levar o bolo de feijão à
tigelinha de pimenta amassada no caldo do próprio bode e comer. A coisa melhor
do mundo.
Realmente, comida da terra, quando sertaneja
mesmo de nascença, jamais deveria ser saboreada através de garfo, faca ou
colher. Na mão mesmo, fazendo bolo, passando no caldo da pimenta e comendo. Por
isso que o Velho Titó antes da assentada mandava preparar a rede na varanda.
Fartava-se no feijão de corda com bode e pimenta, depois mordia um pedaço de
rapadura e ia sonhar comendo mais na rede logo adiante.
Sim, mas voltando ao cheiro sentido esta
manhã e o meu desejo crescente de comer feijão de corda com carne de bode, peço
apenas que me convidem para um simples regabofe no próximo final de semana, a
partir de sexta. Não precisa nem garfo, faca ou colher. Já sabem por que.
Já sinto cheiro de sertão, de comida de
feira, de regabofe sem igual. Para os apreciadores de uma cachacinha com raiz
de pau, nada melhor que molhar o bico antes de encher o prato. E comer de se
fartar. Uma coisa tão simples, pois apenas feijão verde, carne de bode e
pimenta, mas o mais apreciado dos pratos.
Talvez Belânio de Queremilda não fugisse da
casa caso a esposa grávida lhe pedisse uma comida autenticamente sertaneja.
Mesmo no meio da noite ou madrugada, certeza de ele ir certeiro e prazeroso
atrás de uma buchada, de um sarapatel, de um mocotó, mas principalmente de
feijão de corda com carne de bode.
E duvido que ele não comesse muito mais que
ela..
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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