*Rangel Alves da Costa
Infelizmente
já não estou no sertão de Poço Redondo para apreciar, para sentir de pertinho,
esses momentos mágicos e encantadores vindos do alto como dádiva sagrada maior.
Como sopro
de Deus, de repente as alturas nubladas, prenhes, gordas de aguaceiro,
começaram a cair sobre a terra.
E se
derramaram em forma de chuvarada, de trovoada, de cheia, de aguaceiro se
despejando e se espalhando por cima da terra seca e triste, por cima dos
barreiros secos e barreados, por cima das nascentes e dos cursos magros e sujos
dos pequenos rios e dos riachos.
Ponho-me,
aqui, a imaginar o brilho no olhar sertanejo ao abrir a porta e avistar os
horizontes tomados de milagres molhados.
Imagino -
e é como se eu estivesse presenciando - a meninada correndo pelas ruas, indo
porta afora pelas malhadas, envolvendo-se com os pingos caídos e bebendo dessa
magia que alimenta o sertão de tudo e em tudo.
Menino
sertanejo gosta mesmo é de goteira, de biqueira, de calçada lisa e molhada, de
poça ‘água para fazer espanar alegria.
E o
sertanejo em si, aquele sofrido e alquebrado das dores do mundo, agora se
refazendo na fé que jamais faltou.
As mãos
que passam o rosário em preces de agradecimento, novos e velhos se ajoelhando no
chão molhado e levantando ao alto as mãos para dizer “Obrigado, Senhor!”.
E desde
ontem aquele barulho estranho e esperançoso vindo de longe, anunciando que o
riachinho Jacaré começava a correr desde suas nascentes e já avançando pelos
quintais.
Águas
primeiras que escorrem grossas, escurecidas, tomadas de sujeiras, pois levando
tudo para purificar a passagem para a as águas novas.
E passando
e passando mais, de repente o leito tomando volume cada vez maior e com águas
já clareadas pela força das correntezas. Uma festa indescritível perante o
sertão, ante os solhos e corações sertanejos.
Não há
visão mais bonita e cativante que do alto da ponte avistar o riacho em cheia e
com água muita de lado a outro.
O barulho
das águas é como música, como suave valsa ao coração sertanejo. Não há som mais
prazeroso que o das águas ao longe, que o das águas chegando e passando.
Noutros
tempos, cada cheia do Jacaré era motivo de festa. A noite inteira e pessoas
acorrendo às suas margens para o encantamento.
E hoje não
é diferente, e talvez ainda mais comovente. Comoção que chega pela descrença de
que aquele leito já tão feio e magro, infectado e devorado pelas mazelas
humanas, já não conseguisse acolher tamanho volume de água, já não botasse
cheia como antigamente.
Mas o
inesperado acontece pelo passo e desejo da natureza. Tudo com o seu tempo e a
sua hora, segundo os mistérios sagrados.
E eis a
revelação por todos conhecida e tão pouco acreditada: Quando é desejo de Deus,
o leito seco se transforma em rio, o sertão esturricado mata sua sede para
verdejar e alimentar os seus.
Não estou
agora no sertão, mas é como em Poço Redondo estivesse. E neste momento estou
bem ao lado do riacho, bem na beirada das águas tantas, e maravilhado e
comovido como aquela Rangel menino de outros tempos.
Obrigado,
Senhor!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário