*Rangel Alves da Costa
Acaso o fazer poético se volte ao amor, à
descrição amorosa, à louvação do desejo ou como demonstração de afeto pelo
outro, somente a dois é possível demonstrar toda a força do sentimento. Não
significa, contudo, que a escrita seja lado a lado, mas na perspectiva do
outro.
Enquanto construção literária, como arte
moldada pelos sentimentos, a poesia sempre nasce da perspectiva íntima e
pessoal do poeta. Neste sentido, a poesia não pode ser impessoal nem dividida.
Contudo, enquanto construção amorosa, quando
passa a simbolizar o amor, a paixão, o querer, o desejo, o namoro, a união, a
poesia passa a denotar outras formas de construção: o amor sentido enquanto
poesia e a própria poesia contextualizando a união.
É neste último sentido que se afirma ser o
amor a mais bela poesia da existência, ser o amor a mais vívida forma poética,
ser o amor a perfeição da escrita nascida de sentimentos. Tão belo e tão
perfeito é o amor que não haveria outra definição senão como poesia.
É também neste sentido a afirmativa de que há
poesia que só se escreve a dois. Não que os enamorados sejam poetas ou que um
se inspire no outro para sua construção poética, mas a união ou o
relacionamento entre os dois se afeiçoando ao mais belo poema de amor.
Há poesia que só se escreve a dois por ser o
amor verdadeiro, forte, pujante, cativante e tão enobrecedor que somente um
jamais seria capaz de dar vida a uma só linha, verso ou estrofe de qualquer
poema. Cada linha – como num destino – depende do outro para ser escrita.
Há poesia que só se escreve a dois porque o
contexto unindo os dois é de real e verdadeira poesia. Como numa moldura, basta
que se aviste o retrato para logo se imaginar que ali existam pessoas que se
amam e que são comprometidas com o além do meramente fotografado.
Há poesia que só se escreve a dois. Por que o
amor só se ama a dois. Por que a felicidade só é compartilhada a dois. Por que
a vida em dois não se compraz em ser apenas em um. Por que em dois há a soma e
na divisão ainda resta o somado para ser mais amado.
Há poesia que só se escreve a dois. Um lábio
só não beija outro lábio. Um corpo só não abraça outro corpo. Um olhar de mar
não navega sem outro olhar chamando a navegar. Um desejo num só não é capaz de
se transformar naquilo que só pode ser feito a dois. Um amor sozinho é um amor
sozinho, mas o amor em dois é um amor amado.
Há poesia que só se escreve a dois. Quando se
ama, não há como não ter poema perante a poesia do outro. Quando se gosta,
quando se deseja, quando há o encontro de desejos e quereres, não há como não
ser poesia desde o encontro ao abraço.
Há poesia que só se escreve a dois. Na
distância, a saudade quer reencontrar a face do outro. Na presença, o corpo
inteiro quer tocar e sentir o outro corpo. Não há um só instante de um amor
onde o desejo não queiro ser acrescido pelo que o outro prazerosamente possa
ofertar.
Há poesia que só se escreve a dois. Quando se
está sozinho, qualquer poema surge na folha descompromissada e solitária. Não
há pensamento vivo nem certeza de estar amando nem de ser amado. Outra poesia
surge quando a escrita apenas reproduz aquilo inspirado pelo coração.
Há poesia que só se escreve a dois. Assim
como um feijão com arroz, o amor precisa ser misturado para ter sabor. Coração
de um e coração de outro, desejo de um e desejo de outro, e assim vai se
somando e enraizando a semente da mais bela flor.
Há poesia que só se escreve a dois. Sozinho
não sou nada senão um poeta triste e maldizendo o mundo. Sozinho não sou nada a
não ser aquele que sempre rima tormento e sofrimento. Mas se surgido o amor,
eis que a canção da dor vai se transformando em doces e suaves madrigais.
Há poesia que só se escreve a dois. Aprendi
com ela, com o meu amor, que poesia há que só se escreve a dois. E que lindos
versos nascidos em nós.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário