SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Palavra Solta – naquele mundo cangaço



*Rangel Alves da Costa


Pesquiso muito sobre o fenômeno cangaço e de vez em quando me vejo embrenhado naquele estranho, perigoso, sedutor e misterioso mundo. Um mundo entremeado de sol e de chuva, de luas e breus, de estradas e labirintos, de tocas e de tocaias, de noites sem sonos e dias famintos. Bandos de bichos, bichos humanos, humanos aterrorizantes, simples humanos. Pelos carrascais, por cima de espinhos e de pontas de pedras, em meio aos tufos de matos, rompendo o mundo das catingueiras, aroeiras e mandacarus, os passos ora apenas seguindo ora em correria por cima de tudo. Qualquer piado um assombro, um aviso, um sinal. Qualquer barulho adiante já deve servir como alerta. Olhos que caçam, que buscam, que adentram nas matas em busca dos sinais inimigos. De repente um zunido mais forte, o mato se abrindo e o fim do mundo. O inimigo chegou. Ou talvez nem estivesse por perto. Nesse mundo de sentinelas, nada foge ao preparo para o ataque, o revide, a bala na bala. Ninguém parece cansado, ainda que com o corpo todo estropiado. Não há como ser diferente, não há lugar para a calma e o repouso longo. Os olhos que se fecham para adormecer, de repente se abrem já mirando adiante. As mãos nunca descansam, o corpo nunca se separa do peso das armas, das cartucheiras, embornais e punhais. Um peso danado, mas o peso inseparável. E chegando o instante do rápido repouso, tudo continuando ao lado por precaução. E os amores? Ao acaso, ao relento, com uma mão num seio e outra no mosquetão.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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