*Rangel Alves da Costa
Nunca mais
escrevi uma só letra no livro de minha própria história. Talvez eu não tenha
muito que escrever. Sou apenas o que sou, e nada mais. Mas o que sou, então? Um
filho do sertão, um filho de Poço Redondo, nascido de Dona Peta e Seu Alcino.
Não, não quero mais que isso. Basta-me ser de onde sou e da raiz familiar de
onde vim. Não cultivo jardins floridos nem crio pássaros de asas grandes. Nem
ilusões perfumadas nem voos inalcançáveis. Sou chão, sou rente a terra, sou sol
e suor. Não subo em pedestais nem caminho com estrelas à mão. Sou mais a mão
calejada que a mão estendida de anel dourado. Sou mais a palavra matuta,
troncha, torta, que a palavra floreada de egoísmos e vaidades. Meu amigo é
aquele que me tem como amigo, sempre, na trovoada ou na seca grande. Não
alimento amizades de aparências nem levo no embornal mil cartões de visitas.
Sei de onde vingam as melhores raízes, sei qual a flor que perfuma. Todo mundo
é todo mundo, mas a pessoa não. Disso eu sei. Por que a pessoa não é igual, por
isso mesmo procuro ser igual ao meu igual. E o meu igual é aquele que se iguala
não no que tem, mas no que é. O meu igual é aquele de humildade sem perder a
nobreza. O meu igual é aquele que se iguala na amizade, na honradez, no caráter.
Não avisto a roupa rasgada, o chinelo quebrado, o roló desmanchando, o chapéu
de couro esmaecido de tempo. Avisto a pessoa, enxergo o que há por dentro e a
sinceridade espelhada por fora. E quero que me avistem como aquele igual, e sem
acrescentar nem diminuir. Nunca fui nem serei diferente daquele nascido do
mesmo berço e caminhante da mesma terra. Sou formado em muita coisa, mas o
sertanejo também é. Quando um anel no dedo teve mais valor que um instrumento
de trabalho na terra? Quando uma caneta foi mais importante que a mão calejada
semeando o pão? Quando o nome doutor foi mais importante que o nome
trabalhador? Nunca, jamais. E as ilusões não cabem em mim. Prefiro a nudez da
verdade que a couraça da ilusão. Conheço o sabor da água do pote e da moringa.
Conheço o gosto do café torrado e do cuscuz ralado. Conheço a gostosura que é o
ovo de capoeira misturado ao toucinho. Ora, vou mentir a mim mesmo? Ou eu sou
eu ou outro jamais será o que há em mim. Encanta-me o sino tocando, o sol indo
embora como candeeiro de pouca luz, a velha beata contando as contas de seu
rosário. Dentro de mim há uma almofada de fazer renda, há uma rede de pescador,
há um pé de araçá. Sou o que sou e ninguém jamais me fará diferente. Já andei
mundo, já vivi distante, e só me reencontrei no que sou depois que novamente
bati à porta de casa, de uma casa chamada Poço Redondo. Vivo como um citadino,
mas sem querer ser assim. Preferia uma casinha no mato, uma rede na varanda,
água de pote e um radinho de pilha. E um horizonte tão belo ao meu olhar que eu
de repente escrevesse no caderninho: “Um filho que ama sua terra é um filho que
cuida da terra que tem”. E depois aguar uma plantinha e dizer: Crescei e
frutificai meu Poço Redondo!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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