*Rangel Alves da Costa
Delurdes
já estava pra mais de setenta anos. Contudo, pela vida de luta, sacrifícios e
sofrimentos, parecia já ter descambado acima dos oitenta.
Viúva
desde muito, com filhos morando distantes e esquecidos da existência da própria
mãe, outra coisa a velha senhora não fazia senão viver na ilusão da felicidade.
E que
dolorosa ilusão! A fuga da nostalgia, da solidão e das cruéis recordações,
exigia-lhe reinventar a existência.
Conversava
sozinha, inventava um mundo que só existia no seu pensamento, procurava povoar
aquele vazio lar numa normalidade inexistente.
Daí que se
danou a fazer cocada branca para vender numa mesinha colocada rente a parede de
barro da frente, bem pertinho da janela.
E pertinho
por que logo ali, no umbral, uma velha moringa dormia e amanhecia para que a
fresca na água fosse garantida.
Só existia
um problema: como vender a cocada e oferecer caneca d’água se por ali
dificilmente passava gente? Mas parecia que ela não se importava muito com
isso.
Começava a
ralar coco assim que levantava. Aprontava o fogão de lenha, juntava garrancho
por baixo, colocava o tacho por riba com as chamas já levantadas.
Com a água
na moringa não havia preocupação, vez que dia e noite a jarreta de barro em
cima do umbral na janela sempre aberta.
Depois de
mexer e remexer e de a cocada ficar no ponto, ela cuidadosamente despejava numa
forma de madeira. Estava pronta a cocada branca.
Depois de
esfriar um pouco, logo ela seguia para colocar o seu doce na mesinha no lado de
fora. Depois sentava numa cadeira de balanço debaixo dum pé de pau logo
adiante.
A cocada
ali, mas ninguém passava para experimentar. A água de moringa ali, mas ninguém
passava para matar a sede.
Enquanto
isso, conversando sozinha, Delurdes parecia noutro mundo. Noutro mundo
distante, como se encontrando ou reencontrando pessoas do seu passado.
De vez em
quando, quando a palavra lhe faltava ou silenciava por algum motivo, as
lágrimas desciam e encharcavam sua face enrugada de tempo. O lenço molhado
testemunhava a angústia da solidão.
A noite
chegava e ela ia recolher o que havia restado da cocada. Restado, mas como se
nenhum caminhante por ali havia passado? Sim, não havia passado, mas havia
chegado. Seu falecido esposo tanto gostava de cocada como a levava para agradar
os amigos do além.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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