*Rangel Alves da Costa
Já estava na altura de seus 44 anos e 23 anos
antes de sua morte no Arraial de Canudos, quando Antônio Vicente Mendes Maciel,
o emblemático Antônio Conselheiro, passou pelas terras sergipanas, cruzando das
Alagoas ao território baiano. Segundo Euclides da Cunha em seu “Os Sertões”, de
Pernambuco ele passou ao sertão sergipano, mas certamente passando por
território alagoano.
Ora, quando pisou em solo sergipano, lá pelos
idos de 1874, foi exatamente às margens do São Francisco, em Curralinho,
povoação ribeirinha em Poço Redondo, sertão sergipano. E no outro lado do rio
está Alagoas. Acaso tivesse chegado pela região interior sergipana, atravessado
os carrascais como depois fariam Lampião e seu bando, certamente que outras
localidades teriam sido visitadas nos seus ofícios de pregação, de construção e
reconstrução, de deixar marcos com feição religiosa na sua passagem.
O revoltado peregrino nasceu em 13 de março
de 1830, na vila de Campo Maior, no município cearense de Quixeramobim, vindo a
falecer a 22 de setembro de 1897. Inteligente, profundo conhecedor dos
ensinamentos bíblicos, porém infortunado no amor, vez que sua jovem esposa o
abandonou num gesto de traição, daí em diante procurou curar seus males
interior e suas revoltas através de peregrinações, chegando a formar um séquito
numeroso e de abnegada crença em seus poderes místicos e sagrados. Em Canudos,
um arraial que chegou a ter mais de dez mil habitantes (falam em muito mais), e
onde se findou sua rebelde luta, restou
plenamente demonstrada sua grandeza de líder.
Mas foi, pois, no ano de 1874, que o
Conselheiro e seus fiéis seguidores marcaram passagem e presença no estado de
Sergipe. Vindo de Pernambuco e passando pelas Alagoas, atravessou o Rio São
Francisco, na divisa com Sergipe, e a partir do solo sergipano abriu caminho
até a Bahia, onde passaria a atuar com mais veemência. Nas terras baianas,
primeiro se fixam no norte, no Arraial do Bom Jesus (Vila de Itapicuru-de-Cima),
em 1874, e depois no Arraial do Belo Monte, em Canudos. Também é dessa data,
mais precisamente no mês de novembro, que o Jornal “O Rabudo”, editado em
Estância, noticia a respeito do missionário nas terras sergipanas. Por aqui,
sua alcunha era Antônio dos Mares. Diz o jornal:
“Há seis meses que por todo o centro desta
Província e da Província da Bahia, chegado (diz ele) do Ceará, infesta um
aventureiro santarrão que se apelida por Antonio dos Mares. O que, a vista dos
aparentes e mentirosos milagres que dizem ter ele feito, tem dado lugar a que o
povo o trate por S. Antônio dos Mares. Esse misterioso personagem, trajando uma
enorme camisa azul que lhe serve de hábito a forma do de sacerdote,
pessimamente suja, cabelos mui espessos e sebosos entre os quais se vê
claramente uma espantosa multidão de bichos (piolhos). Distingue-se pelo ar
misterioso, olhos baços, tez desbotada e de pés nus; o que tudo concorre para o
tornar a figura mais degradante do mundo”.
No seu percurso, já acompanhado de fiéis,
procurava estabelecer as diretrizes de um mundo nascido de sua imaginação, mas
também reflexo da realidade encontrada na pobreza, nas injustiças e nas
opressões nordestinas. Tendo como grande inspiração os feitos peregrinos
do Padre Ibiapina, que realizava obras de caridade por onde passava, o
Conselheiro se armou dessa força perante os humildes, sofridos e injustiçados
sertanejos, para prosperar e cruzar caminhos com seu exército de fanáticos
seguidores. Tarefa nem sempre fácil, pois perseguido, tratado pelas autoridades
como um louco e até prometido para ser levado a hospício. Mas ele tinha um
sonho, que era fundar uma comunidade solidária. Conseguiu, mas caro pagou pela
sua afronta ao poder.
Nas suas andanças por Sergipe, o Conselheiro
passou por Poço Redondo, Itabaiana, Riacho do Dantas e Cristinápolis, dentre
outras localidades. Em artigo esclarecedor (“A Passagem de Antônio Conselheiro
por Itabaiana”), o médico e escritor Antônio Samarone referencia Euclides da
Cunha para dizer: “Dos sertões de Pernambuco passou aos de Sergipe, aparecendo
na cidade de Itabaiana em 1874. Ali chegou, como em toda a parte, desconhecido
e suspeito, impressionando pelos trajes esquisitos — camisolão azul, sem
cintura; chapéu de abas largas derrubadas, e sandálias. Às costas um surrão de
couro em que trazia papel, pena e tinta, a Missão Abreviada e as Horas
Marianas”.
Noutras localidades sergipanas, também conhecida
a passagem do revoltado cearense. Neste sentido a afirmação de José Calazans (“O
Séquito de Antônio Conselheiro”, Revista FAEEBA, nº especial (Canudos), 2ª.
ed.,jan / jun, 1995) de que em Sergipe o Conselheiro e seus fanáticos
seguidores realizaram muitas obras, levantando muros de cemitérios, bem como
construindo e levantando capelas. “Não foi bem sucedido em Simão Dias e
Lagarto, onde os respectivos vigários José Joaquim Luduvice e João Batista de
Carvalho Daltro (padre Data) proibiram suas prédicas”. Foi bem recebido,
entretanto, na vila de Riachão do Dantas, onde pregou para uma multidão na
Praça da Matriz. “Da Vila, seguiu para o povoado Samba, hoje Bonfim, também em
Riachão, onde construiu a capelinha e o cemitério da localidade”. Diz ainda
Calazans que foi de Riachão do Dantas que saiu o maior número de sergipanos que
seguiram o Conselheiro.
Ainda que não tivesse se alongado por mais
localidades, vilas e povoações de Sergipe, destas acorreram inúmeros seguidores
às hostes conselheiristas. Conforme ainda afirma José Calazans, após a guerra
de Canudos constataram que muitos enfermos eram oriundos de Itaporanga,
Itabaianinha, Tobias Barreto (Campos), Geru, Cristinápolis (Vila Cristina).
Somente os baianos superaram os sergipanos em número de seguidores. E tudo pela
atração mítica, profética e até endeusada daquele Santo Imundo. Talvez um
lunático, mas certamente um visionário.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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