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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

ANTÔNIO CONSELHEIRO EM SERGIPE



*Rangel Alves da Costa


Já estava na altura de seus 44 anos e 23 anos antes de sua morte no Arraial de Canudos, quando Antônio Vicente Mendes Maciel, o emblemático Antônio Conselheiro, passou pelas terras sergipanas, cruzando das Alagoas ao território baiano. Segundo Euclides da Cunha em seu “Os Sertões”, de Pernambuco ele passou ao sertão sergipano, mas certamente passando por território alagoano.
Ora, quando pisou em solo sergipano, lá pelos idos de 1874, foi exatamente às margens do São Francisco, em Curralinho, povoação ribeirinha em Poço Redondo, sertão sergipano. E no outro lado do rio está Alagoas. Acaso tivesse chegado pela região interior sergipana, atravessado os carrascais como depois fariam Lampião e seu bando, certamente que outras localidades teriam sido visitadas nos seus ofícios de pregação, de construção e reconstrução, de deixar marcos com feição religiosa na sua passagem.
O revoltado peregrino nasceu em 13 de março de 1830, na vila de Campo Maior, no município cearense de Quixeramobim, vindo a falecer a 22 de setembro de 1897. Inteligente, profundo conhecedor dos ensinamentos bíblicos, porém infortunado no amor, vez que sua jovem esposa o abandonou num gesto de traição, daí em diante procurou curar seus males interior e suas revoltas através de peregrinações, chegando a formar um séquito numeroso e de abnegada crença em seus poderes místicos e sagrados. Em Canudos, um arraial que chegou a ter mais de dez mil habitantes (falam em muito mais), e onde se findou sua  rebelde luta, restou plenamente demonstrada sua grandeza de líder.
Mas foi, pois, no ano de 1874, que o Conselheiro e seus fiéis seguidores marcaram passagem e presença no estado de Sergipe. Vindo de Pernambuco e passando pelas Alagoas, atravessou o Rio São Francisco, na divisa com Sergipe, e a partir do solo sergipano abriu caminho até a Bahia, onde passaria a atuar com mais veemência. Nas terras baianas, primeiro se fixam no norte, no Arraial do Bom Jesus (Vila de Itapicuru-de-Cima), em 1874, e depois no Arraial do Belo Monte, em Canudos. Também é dessa data, mais precisamente no mês de novembro, que o Jornal “O Rabudo”, editado em Estância, noticia a respeito do missionário nas terras sergipanas. Por aqui, sua alcunha era Antônio dos Mares. Diz o jornal:
“Há seis meses que por todo o centro desta Província e da Província da Bahia, chegado (diz ele) do Ceará, infesta um aventureiro santarrão que se apelida por Antonio dos Mares. O que, a vista dos aparentes e mentirosos milagres que dizem ter ele feito, tem dado lugar a que o povo o trate por S. Antônio dos Mares. Esse misterioso personagem, trajando uma enorme camisa azul que lhe serve de hábito a forma do de sacerdote, pessimamente suja, cabelos mui espessos e sebosos entre os quais se vê claramente uma espantosa multidão de bichos (piolhos). Distingue-se pelo ar misterioso, olhos baços, tez desbotada e de pés nus; o que tudo concorre para o tornar a figura mais degradante do mundo”.
No seu percurso, já acompanhado de fiéis, procurava estabelecer as diretrizes de um mundo nascido de sua imaginação, mas também reflexo da realidade encontrada na pobreza, nas injustiças e nas opressões nordestinas. Tendo como grande inspiração os feitos peregrinos do Padre Ibiapina, que realizava obras de caridade por onde passava, o Conselheiro se armou dessa força perante os humildes, sofridos e injustiçados sertanejos, para prosperar e cruzar caminhos com seu exército de fanáticos seguidores. Tarefa nem sempre fácil, pois perseguido, tratado pelas autoridades como um louco e até prometido para ser levado a hospício. Mas ele tinha um sonho, que era fundar uma comunidade solidária. Conseguiu, mas caro pagou pela sua afronta ao poder.
Nas suas andanças por Sergipe, o Conselheiro passou por Poço Redondo, Itabaiana, Riacho do Dantas e Cristinápolis, dentre outras localidades. Em artigo esclarecedor (“A Passagem de Antônio Conselheiro por Itabaiana”), o médico e escritor Antônio Samarone referencia Euclides da Cunha para dizer: “Dos sertões de Pernambuco passou aos de Sergipe, aparecendo na cidade de Itabaiana em 1874. Ali chegou, como em toda a parte, desconhecido e suspeito, impressionando pelos trajes esquisitos — camisolão azul, sem cintura; chapéu de abas largas derrubadas, e sandálias. Às costas um surrão de couro em que trazia papel, pena e tinta, a Missão Abreviada e as Horas Marianas”.
Noutras localidades sergipanas, também conhecida a passagem do revoltado cearense. Neste sentido a afirmação de José Calazans (“O Séquito de Antônio Conselheiro”, Revista FAEEBA, nº especial (Canudos), 2ª. ed.,jan / jun, 1995) de que em Sergipe o Conselheiro e seus fanáticos seguidores realizaram muitas obras, levantando muros de cemitérios, bem como construindo e levantando capelas. “Não foi bem sucedido em Simão Dias e Lagarto, onde os respectivos vigários José Joaquim Luduvice e João Batista de Carvalho Daltro (padre Data) proibiram suas prédicas”. Foi bem recebido, entretanto, na vila de Riachão do Dantas, onde pregou para uma multidão na Praça da Matriz. “Da Vila, seguiu para o povoado Samba, hoje Bonfim, também em Riachão, onde construiu a capelinha e o cemitério da localidade”. Diz ainda Calazans que foi de Riachão do Dantas que saiu o maior número de sergipanos que seguiram o Conselheiro.
Ainda que não tivesse se alongado por mais localidades, vilas e povoações de Sergipe, destas acorreram inúmeros seguidores às hostes conselheiristas. Conforme ainda afirma José Calazans, após a guerra de Canudos constataram que muitos enfermos eram oriundos de Itaporanga, Itabaianinha, Tobias Barreto (Campos), Geru, Cristinápolis (Vila Cristina). Somente os baianos superaram os sergipanos em número de seguidores. E tudo pela atração mítica, profética e até endeusada daquele Santo Imundo. Talvez um lunático, mas certamente um visionário.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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