*Rangel Alves da Costa
Perante o
povo sertanejo, não há momento mais maravilhosamente encantador que ver e
sentir a chuva caindo.
Só Deus
para saber o que se passa pela cabeça do velho sertanejo de casinha de beiral
de estrada quando abre a porta e estende as mãos magras e secas para deixar que
os pingos caiam em profusão.
Só Deus
sabe o que se passa no imaginário do homem do campo ao sentir o barrufo forte
subindo, a goteira na nuvem se abrindo e o chão ficando encharcado de alegria.
Uma festa aos olhos, aos sentimentos, ao coração.
Nas noites
e dias anteriores, no compasso da espera tanta, quantas mãos não procuraram os
terços de fé, quantos dedos não seguiram em procissão pelas contas do rosário,
quantos santos não foram invocados em nome da chuva?
Não
poderia ser diferente. Sem chuva não há vida, não há esperança, não há nada. O
que há é num sofrimento sem fim com o tanque seco, o barreiro de lama dura, a
passagem esturricada de sol, o bicho sofrendo sedento e faminto, o pote vazio e
a moringa rachada.
Quanto
sofrimento, meu Deus! Por isso mesmo que a chuva se torna no sonho maior e na
esperança de toda hora. A sabedoria matuta vai catando nos sinais da natureza a
aproximação daquilo tão esperado.
A ventania
nas folhagens e o modo como elas farfalham falam de uma esperança. Os ninhos
sendo feitos no rente do chão, dentro dos tocos ou nas beiradas das locas,
também dizem das nuvens prenhes que se aproximam.
Mas é a
barra da primeira luz do dia que mais diz da concretização do sonho. Os olhos
sertanejos reconhecem na cor da barra, lá nas distâncias do horizonte, quando a
chuvarada pode cair. Barra avermelhada é bom sinal, sim sinhô.
Quando a
pedra parece molhada por cima, então a chuvarada já vem. Mas nem sempre os
sinais são bons. Quando o sol se levanta brilhoso, afogueado, então a tristeza
novamente recai no semblante esperançoso de água.
Mas nada
que afaste a fé sertaneja. Tanto assim que mantem a semente guardada, que deixa
o tonel tampado bem debaixo da goteira, que continua fazendo planos para o
plantio e colheita. E também pelos esforços que faz para manter na malhada seca
seu rebanho de couro e osso.
Ora, se
não tivesse esperança de nada valeria tanto gasto e tanto sacrifício. E todo o
sacrifício e sofrimento passam a ser recompensados de hora pra outra. Quanto o
calor afogueia demais e o tempo começa a nublar, então coisa boa vai acontecer.
E se
surgem trovões e relâmpagos, se de repente as nuvens escurecidas parecem
descendo sobre a terra, então já pode colocar vasilha debaixo da goteira. E o
que acontece daí em diante é festa no mundo-sertão.
Os sons da
chuva parecem coro de anjos. Os sons dos pingos caindo parecem melodia na alma.
Um coro angelical, uma orquestra de magistral melodia caindo do alto, ecos das
mais belas canções molhando a terra.
E olhar
pela janela ou pela fresta da porta e perceber que não está sonhando, e sentir
o barulhar molhado no telhado, e perceber que a molhação vai tomando conta de
tudo, e ter vontade de abrira porta e sair com roupa pra debaixo da chuvarada,
a certeza que as preces foram ouvidas, os rogos foram compreendidos pelas
forças sagradas, e a chuvarada que cai é a benção maior da vida e da esperança.
Na chuva,
a vida. O sertão em benção e abençoado.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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