*Rangel Alves da Costa
Eu nem precisava dizer isso, mas eu sei que
você sabe que eu sei. Você nunca me escondeu nada, é verdade. Contudo, coisas
existem que nem você diz a si mesma. E sobre tudo isso eu sei.
De sua boca nada ouvi. Muito você já me falou
sobre sonhos, desejos, aspirações, porém nem tudo. Ninguém diz tudo o que sabe
ou o que sente. Como dito, nem você mesma sabe tudo sobre tudo o que desejou.
Mas eu sei.
E sei por que leio no seu silêncio, leio no
seu semblante, leio no seu olhar, leio no seu passo, em tudo que há em você.
Observo o seu jeito de sentar, de andar, de mirar o horizonte, de olhar para o
vazio, de olhar pra mim.
Sei de sua mudez na palavra e no grito de seu
silêncio. Sei das linhas e entrelinhas de tudo o que diz e até daquilo que tem
vontade de dizer e não dizer. Por que sei? Não significa que você seja
previsível, mas é que aprendi a ler seu livro: a sua vida.
Não precisava ter me dito nada, como de fato
não disse. Mas basta chover e você se torna em verdadeira tempestade, em
terrível tormenta. Sei bem que se revira por dentro, que faz tudo para não
chorar. E acaba provocando um efeito contrário, pois mostra tudo o que sente.
Nada lhe entristece mais que dia chuvoso.
Seus olhos, mesmo sem uma lágrima sequer, choram muito mais que a água
escorrendo pela vidraça. E nem precisa se aproximar da janela para eu saber que
você queria mesmo era estar nua e de braços abertos do lado de fora,
encharcada, entregue ao tempo.
Menina, menina, eu sei o quanto representa
cada pedacinho que ainda guarda da infância e da meninice. Sei onde sua boneca
de pano fica guardada e que também ainda brinca e conversa com ela. Sendo sua
amiga e confidente, também sei que chega a chorar com ela deitada no colo.
Mas também seu sorriso grande tendo ela
enlaçada aos seus braços. Talvez recordando as traquinagens da meninice, as
vezes que deixou a coitada da boneca completamente encharcada de banho da
biqueira. Colocava no canto da casinha uma vassoura e depois pedia para que ela
varresse a sala inteira.
Contudo, o mais importante é o que leio
sempre nos seus olhos. Por isso mesmo que desde muito já não pergunta se ama,
se me quer, se me deseja. Tudo está escrito no seu olhar. E por isso mesmo
tanto amo você. Tudo na certeza infinita de um imenso amor revelado e guardado
dentro do seu coração.
Leio sua tristeza na sua letra trêmula. Leio
sua alegria na forma como limpa a casa e ajeita os livros da estante. Sei que
não está bem se não cuida de cada cantinho e de cada coisa que tanto gosta. Não
precisa me dizer nada quando eu a encontro debruçada no umbral da janela e mais
adiante um por do sol.
Também leio o doce poema que de repente
avisto nas páginas do seu silêncio. Estrofe a estrofe, na verdade tudo eu sinto
do seu sentimento. Uma vontade imensa de ser cais, de ser onda de mar, de ser
escrito na areia, de ser brisa que sopra ao entardecer.
Por tudo isso eu digo e sinto o que em você
não consegue se esconder. Mas o que eu mais gosto é que você sabe que eu sei
tudo de você, mas ainda assim nunca reclamou. E talvez também saiba de mim tudo
daquilo que jamais revelei. Somos iguais, então. Um no outro na compreensão.
Mas somente sei por que você me deixou ler o
seu livro. E por isso mesmo cuido dele como obra rara em minha vida.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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