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domingo, 10 de fevereiro de 2019

NAS “CRUZES DOS SOLDADOS”, MAIS UMA VEZ



*Rangel Alves da Costa


Todo o município de Poço Redondo, no sertão Sergipe, é entrecortado por marcos históricos deixados pelo cangaço. Foi intensa e constante a passagem da Lampião e seu bando pela região, muitos filhos de Poço Redondo enveredaram pelos caminhos cangaceiros (nada menos que 34), por todo lugar pontuam sinais e marcas daqueles tempos de luta. E marcas profundas de uma história ainda não totalmente desvendada.
Em Poço Redondo também está a Gruta do Angico (local da morte de Lampião, Maria Bonita, mais oito cangaceiros e um soldado da volante), a Fazenda Maranduba (onde, em janeiro de 32, ocorreu o segundo maior combate da história cangaceira), além de muitos outros locais que ainda testemunham os feitos, as batalhas e as mortes. Foi também em Poço Redondo o célebre encontro entre o Padre Artur Passos e Virgulino Lampião, num episódio que ficou conhecido como o encontro da cruz com o mosquetão.
Além da cidade em si e em localidades mais distantes, os arredores da cidade também contam muito da presença cangaceira. Seguindo em direção à beira do rio, num percurso de 14 km, nada menos que quatro marcos abrem suas páginas para contar acerca daquelas lutas. O local da morte de Canário, o local onde foi encontrado o corpo de Zé de Julião, o ex-cangaceiro Cajazeira, o local da morte do vaqueiro Antônio Canela (que havia dito que esperaria Lampião de arma em punho, e foi encontrado depois e assassinado pelo subgrupo do cangaceiro Mané Moreno), e também as Cruzes dos Soldados. E é sobre tais cruzes que detalho mais adiante.
Pois bem. Ao alvorecer deste domingo e já nos passos da história cangaceira de Poço Redondo, e tendo ao lado o amigo e pesquisador José Francisco (do blog Lampião, Governador do Sertão) mais uma vez visitamos “As Cruzes dos Soldados”, às margens da Estrada Histórica Antônio Conselheiro (Estrada de Curralinho). São cerca de 7 km da sede municipal até este local, em via de bom acesso.
Aí, embaixo desse portentoso Bonome, as cruzes fincadas na terra e tendo ex-votos (objetos comprovando milagres alcançados) ao redor. Neste local, no ano de 37, os soldados Tonho Vicente e Sisi foram emboscados, torturados e mortos, pelo subgrupo do cangaceiro Corisco, numa vingança tramada após a morte do cangaceiro Pau Ferro. Os soldados mortos, tidos como inocentes, ao longo dos anos foram sendo reverenciados pela fé sertaneja.
A crença que inocentes mortos possuem um poder maior de intercessão perante as forças sagradas, faz com que os humildes devotos - e grande parte da população sertaneja - passem a acreditar também nos seus poderes de cura. Daí as tantas promessas feitas para a cura de graves enfermidades e salvação de vidas. E as respostas - ou “comprovações” - às curas ou milagres alcançados estão ao redor das duas cruzes. Troncos, membros, cabeças, etc. Em cada parte do corpo um milagre obtido.
Já se vão mais de oitenta anos da morte dos inocentes soldados, mas ainda hoje se renovam as promessas feitas em seus nomes. Coisas que somente a fé sertaneja consegue explicar. Basta seguir até lá para verificar a fé sertaneja ali presente. Certamente a maioria daqueles que fazem promessas sequer sabe as causas daquela morte. Mas também não precisa saber. Para o sertanejo devoto, religioso, fiel à crença na força da intercessão, basta que ali dois inocentes soldados tivessem perdido suas vidas. É o que basta para a quase santificação.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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