*Rangel Alves da Costa
Todo o
município de Poço Redondo, no sertão Sergipe, é entrecortado por marcos
históricos deixados pelo cangaço. Foi intensa e constante a passagem da Lampião
e seu bando pela região, muitos filhos de Poço Redondo enveredaram pelos
caminhos cangaceiros (nada menos que 34), por todo lugar pontuam sinais e marcas
daqueles tempos de luta. E marcas profundas de uma história ainda não
totalmente desvendada.
Em Poço
Redondo também está a Gruta do Angico (local da morte de Lampião, Maria Bonita,
mais oito cangaceiros e um soldado da volante), a Fazenda Maranduba (onde, em
janeiro de 32, ocorreu o segundo maior combate da história cangaceira), além de
muitos outros locais que ainda testemunham os feitos, as batalhas e as mortes.
Foi também em Poço Redondo o célebre encontro entre o Padre Artur Passos e
Virgulino Lampião, num episódio que ficou conhecido como o encontro da cruz com
o mosquetão.
Além da
cidade em si e em localidades mais distantes, os arredores da cidade também
contam muito da presença cangaceira. Seguindo em direção à beira do rio, num
percurso de 14 km, nada menos que quatro marcos abrem suas páginas para contar
acerca daquelas lutas. O local da morte de Canário, o local onde foi encontrado
o corpo de Zé de Julião, o ex-cangaceiro Cajazeira, o local da morte do
vaqueiro Antônio Canela (que havia dito que esperaria Lampião de arma em punho,
e foi encontrado depois e assassinado pelo subgrupo do cangaceiro Mané Moreno),
e também as Cruzes dos Soldados. E é sobre tais cruzes que detalho mais
adiante.
Pois bem. Ao
alvorecer deste domingo e já nos passos da história cangaceira de Poço Redondo,
e tendo ao lado o amigo e pesquisador José Francisco (do blog Lampião,
Governador do Sertão) mais uma vez visitamos “As Cruzes dos Soldados”, às
margens da Estrada Histórica Antônio Conselheiro (Estrada de Curralinho). São
cerca de 7 km da sede municipal até este local, em via de bom acesso.
Aí,
embaixo desse portentoso Bonome, as cruzes fincadas na terra e tendo ex-votos
(objetos comprovando milagres alcançados) ao redor. Neste local, no ano de 37,
os soldados Tonho Vicente e Sisi foram emboscados, torturados e mortos, pelo
subgrupo do cangaceiro Corisco, numa vingança tramada após a morte do
cangaceiro Pau Ferro. Os soldados mortos, tidos como inocentes, ao longo dos
anos foram sendo reverenciados pela fé sertaneja.
A crença
que inocentes mortos possuem um poder maior de intercessão perante as forças
sagradas, faz com que os humildes devotos - e grande parte da população
sertaneja - passem a acreditar também nos seus poderes de cura. Daí as tantas
promessas feitas para a cura de graves enfermidades e salvação de vidas. E as
respostas - ou “comprovações” - às curas ou milagres alcançados estão ao redor
das duas cruzes. Troncos, membros, cabeças, etc. Em cada parte do corpo um
milagre obtido.
Já se vão
mais de oitenta anos da morte dos inocentes soldados, mas ainda hoje se renovam
as promessas feitas em seus nomes. Coisas que somente a fé sertaneja consegue
explicar. Basta seguir até lá para verificar a fé sertaneja ali presente.
Certamente a maioria daqueles que fazem promessas sequer sabe as causas daquela
morte. Mas também não precisa saber. Para o sertanejo devoto, religioso, fiel à
crença na força da intercessão, basta que ali dois inocentes soldados tivessem
perdido suas vidas. É o que basta para a quase santificação.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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