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sábado, 9 de fevereiro de 2019

AQUELES MENINOS E SEUS SONHOS INTERROMPIDOS



*Rangel Alves da Costa


Verdadeiramente não gosto de escrever sobre tragédias e funestos acontecimentos ainda no frescor dos acontecidos. Temo correr o risco de ser mais passional que realista ou de me deixar levar pelas teias da emoção. Ademais, os fatos se tornam tão explorados, escritos e maquiadamente reescritos que o leitor não sabe mais sequer se situar perante os emaranhados de informações. Contudo, eu não poderia deixar de rabiscar alguma coisa sobre aqueles meninos e seus sonhos interrompidos.
Sim, aqueles meninos do Flamengo, aqueles meninos que se foram tão cedo entre as chamas. A verdade é que o Brasil e o mundo gritaram de tristeza e dor pelas informações repassadas logo ao amanhecer. As notícias dizendo que os jovens atletas da formação de base do Flamengo, todos noturnamente repousando num alojamento no Ninho do Urubu (Centro de Treinamento do clube carioca), foram despertados pelo local em chamas, num incêndio tão repentino e voraz que ceifou a vida de dez garotos que
A imprensa diz que o local pegou fogo na madrugada desta sexta-feira, dia 08. Os jovens atingidos tinham entre 14 e 16 anos (alguns jornais informam que até 17 anos), uns meninos ainda. Quase um time inteiro morreu, pois dez perderam a vida e mais três ficaram feridos, sendo um em estado mais grave. A tragédia só não foi maior por que os atletas cariocas não estavam também alojados, e ali apenas aqueles de outros estados ou que não tinham famílias residindo na capital fluminense.
Meninos de Sergipe, do Tocantins, do Piauí, de Alagoas, de todos os estados, ali em busca da concretização do sonho maior de ser jogador de futebol. Sonho e sonhos interrompidos. Em todos, a oportunidade surgida de ser jogador de futebol, e mais ainda no clube mais famoso e desejado do país. Vestir a camisa do Flamengo é sonho maior alentado por muitas crianças, meninos e jovens. Da base do clube, talvez a escalada pelas outras divisões até a glória maior da titularidade no elenco principal. Tudo isso interrompido.
No Flamengo ou noutro clube qualquer, a dimensão da tragédia está muito mais nos jovens vitimados do que nas proporções do acontecido. Os vitimados e outros que ainda estão com graves sequelas, não foram apenas pessoas alcançadas pela feição mais cruel das linhas do destino. Aqueles meninos corriam atrás de um sonho. Correndo atrás de uma bola, também estavam correndo atrás da concretização de seus sonhos. Alguns partiram de longe, de regiões distantes, vencendo imensas dificuldades, em busca desse sonho.
Atrás do menino e seu sonho, algumas famílias chegam a se mudar, levando na mala as esperanças do mundo, para as proximidades do clube. Quer dizer, praticamente abdicam de tudo nos seus lugares de origem, para estar ao lado e tentando alavancar ainda mais o sonho do seu. Na esperança que o menino seja realmente aproveitado, mais tarde comece a ter oportunidades, até se firmar como atleta, está também o sonho de toda a família. E agora, qual sonho sonhar quando somente a dor se mostrou possível?
Como é difícil entender esse sonho não realizado. Como é difícil saber que esse sonho não poderá mais ser realizado. Como é difícil compreender que os sonhos meninos, os sonhos de criança, também podem morrer assim. Sonhos que nascem cedo demais. Primeiro a bola de rua, a bola de meia, a brincadeira infantil de jogar bola. Depois o gostar de futebol, a maestria no passe e no drible, o senso de defensor e de artilheiro. E sempre aparece alguém para dizer que aquele nasceu para ser craque de futebol. Então isso vai se interiorizando na criança. A vontade maior passa a ser a de jogar num grande clube.
Quantos craques assim não estão espalhados pelos rincões distantes, nas várzeas, nos campos de chão e nos gramados ressequidos? Quantos meninos bons de bola não estão esperando somente a chance de serem avistados nos seus talentos? Milhares, milhões de pequenos craques, mas somente alguns são realmente avistados. E destes alguns, apenas um número reduzido terá oportunidade de mostrar sua maestria no trato com a bola. Como dizem na gíria futebolística, vão passando por uma peneira até frutificarem em sonhos e esperanças. E aqueles meninos do Flamengo haviam passado por todo esse processo. E agora, quando as portas já estavam sendo abertas, eis que o fogo interrompe o sonhar.
Sem dúvidas, uma dor imensa para uma tristeza diferente. A mesma comoção havida quando do mortífero lamaçal escorrendo de Brumadinho, entretanto, com um senso de tristeza diferenciado. A lama matou crianças, jovens, adultos e velhos. Mas o fogo não matou apenas meninos, mas principalmente seus sonhos. Todos estavam ali pelo sonho, todos viviam em sonhos, todos desejavam tornar realidade seus sonhos. Esperavam acordar e correr atrás de uma bola. Esperavam acordar e mostrar que eram capazes de vencer. Mas sequer levantaram dos sonhos sonhados. Foram levados pelas chamas, adormeceram de vez as esperanças.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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