SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

HÁ RIQUEZA MAIOR?



*Rangel Alves da Costa


Nada disso é meu. Não tenho fazenda nem rebanhos, não tenho gado ou cavalo, não tenho cabrito nem bode. Mas os bichos são meus amigos e com eles converso ao pé da cancela ou cerca. Sentem o meu olhar, compreendem o que sinto e o que estou dizendo. Depois berram, ruminam, mugem. E às vezes também choro com eles. Há riqueza maior?
Nada disso é meu. Não tenho casarão nem casario, não tenho jardim nem oitão. Também não tenho muro na entrada e arredores nem cachorro grande guarnecendo moradia. Moro em moradia, mas a minha ainda não vingou. Ainda assim, onde sempre estou, a porta está sempre aberta, tem sempre moringa à janela e tamborete para o visitante descansar. Há riqueza maior?
Nada disso é meu. Não vivo ladeando amigos que são os anéis do que eles mesmos. Não vivo de amizades com quem valoriza mais o ter do que o humano. Não quero dever favores a quem deseja muito mais do que tenho. Não bajulo o poder nem me ajoelho à riqueza. Sou apenas na simplicidade do que sou e na humildade que me cabe ter. Além disso, o que eu mais possa ter, será sempre à medida do que eu possa merecer. Há riqueza maior?
Nada disso é meu. Gosto de sorvete caramelado, com cobertura bonita e numa taça grã-fina, mas me contento com o picolé vendido pelas ruas, passando de porta em porta. Gosto de tortas e salgados, de doces com nomes bonitos e salgados estranhos até no falar, mas nunca os tenho ao alcance. Então, fazer o quê? Me farto e me lambuzo com arroz-doce e mungunzá, com bolo de milho e de macaxeira, com pirulito de tábua, com pipoca de tacho, com cocada de frade. Há riqueza maior?
Nada disso é meu. Minha roupa de trabalho é bonita, a mais bonita do mundo. Mas não vivo sempre trabalhando para viver enfeitado, embonecado por aí, pela imodéstia de simplesmente me mostrar. A roupa de luxo é a roupa que eu gosto de usar. O sapato bom é aquele macio que eu gosto de calçar. Gosto mesmo de estar descalço ou de havaianas nos pés, gosto mesmo é de tirar a roupa e sentir a brisa entrando pela janela. Há riqueza maior?
Nada disso é meu. A palavra estrangeira não é minha, o modismo não é meu, a transgressão não é minha. A música barulhenta não é minha, o piercing não é meu, a tatuagem não é minha. O estrangeirismo não é meu, o exílio dos outros não é meu, a abnegação pelo desconhecido não é minha. Não é minha essa gravata Hermès, não é minha essa caneta Mont Blanc, não é meu esse uísque de milhões. O que é meu é o que posso ter ou alcançar. O meu não vai além de mim nem vem em sonho ou em fantasia. O que é tem os pés no chão e as mãos na luta. Há riqueza maior?
Nada disso é meu. Que não me venha com cardápios, menus e  outras nomenclaturas sobre o que eu tenho de comer. Não me venha com receitas de quase não, com enfeites e sem fartura. Não me venha com prato com rodelinhas, com um tiquinho aqui e ali, e depois um preço de espantar. Gosto de coisas simples, do que é farto e apetitoso. Então pode trazer uma buchada, um sarapatel, um cozido, um capão de mulher parida, um mocotó, uma galinha de capoeira, uma carne no feijão. E depois um doce de leite, feito no tacho e na fervura do fogão de lenha. Há riqueza maior?
Nada disso é meu. As religiões não são minhas, os tantos deuses não são meus. Não são meus os dízimos tão vergonhosos e não são minhas as falsas promessas de salvação. Que não me venham os falsos profetas e os charlatães pregadores, que não me cheguem os pastores do dinheiro nem as bíblias transformadas em cofres. A minha religião é outra e única. É a religião de um Deus que não precisa de igreja para existir nem de pregador para ser ouvido, eis que sempre no templo maior do meu coração. Há riqueza maior?
Nada disso é meu. Minha identidade é o que construí ser, meu registro é como sou conhecido. Pouca valia um nome e sobrenome se tudo está dito perante a minha imagem. Os troncos e as raízes sustentam o vingado, mas mesmo a frágil flor se alonga se cuidada. Tudo é uma questão de cuidar-se de si mesmo e de não deixar que os espinhos firam a quem nos procura, por amor, por amizade, por gostarem do muito no pouco que temos e somos. E juro que não há riqueza maior.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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