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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

EM ORDEM DE POBRE



*Rangel Alves da Costa


De repente se ouve, principalmente no mundo interiorano: “A riqueza pode ter de tudo, pode dizer que esfarela e desalinha, mas em ordem de pobre num fico muito por debaixo não. Em ordem de pobre tenho casa arrumada, móvel pra sentar, mesa pra comer e fogão pra cozinhar. Fome também não passo não, pois em ordem de pobre minha feira é sortida e garantida”.
Já outra, mais estabanada, logo diz: “Em ordem de pobre sou a pessoa mais rica. Tenho tudo mais que o rico. Tenho mais filhos, tenho mais dívidas, tenho mais precisão, mas também tenho alegria pra dar e vender, tenho coragem e força pra correr atrás do que preciso e ainda sustento essa vagabundagem na política. O pobre pode ser pobre, mas tem o valor maior do mundo em época de eleição”.
E a tal ordem de pobre vai correndo de boca em boca, vai cortando estrada e caminho, passando a fazer do linguajar cotidiano da população. Por todo lugar vai surgindo alguém que diz não ser rico, porém, perante a sua situação, de nada pode reclamar. Quer dizer que não é o fato de ser pobre que impede de a pessoa buscar e adquirir aquilo que precisa.
Em ordem de pobre é termo é expressão das mais usadas, ainda que nem todos que pronunciam saibam o verdadeiro sentido na contextualização das palavras. Contudo, continua valendo mais a intencionalidade, pois mais acertada, que o seu aprofundamento no contexto dos regionalismos gramaticais.
Pois bem. Acaso já tenha ouvido a expressão “Sou pobre, mas sou limpinha”, ou ainda “A casa é pobre, mas no pouco ou no muito ninguém passa fome”, tenha-se uma aproximação imediata à famosa “Em ordem de pobre...”. E que vem sempre acompanhado de sentenças como “vive bem demais”, “não falta nada”, “tem de tudo”, “tem para dar e sobrar”, etc.
Na junção, assim se teria “Em ordem de pobre vive bem demais”. “Em ordem de pobre não falta nada”, “Em ordem de pobre tem de tudo”, “Em ordem de pobre tem para dar e sobrar”. Significa dizer que mesmo sendo pobre não lhe falta isso ou aquilo.
O termo “ordem” utilizado no dizer costumeiro, nada mais significa que a classe social distintiva daquela de maior poder aquisitivo. Não diz, contudo, que o pobre tem de ser miserável ou desvalido demais, bastando que esteja numa linha de deficiência econômica em relação às demais. Assim como tem a ordem dos ricos, dos bem de vida e dos remediados, também existe uma ordem dos pobres: aqueles que têm perante suas condições.
Com efeito, fato interessante é que pessoas de pouco poder aquisitivo mais parecem recebedoras de bons salários. As casas pode atém ser pequenas, mas dentro delas até o luxo nos móveis e nos demais utensílios. Ganha pouco, um salário mínimo ou pouco mais, mas nunca deixa de estar bem vestidas, com roupas bonitas e novas, sapatos e bijuterias. É um “luxo” como fruto de grande esforço.
Assim acontece porque o dito pobre não se entrega de vez à sua baixa condição econômica. Não se diminui nem se submete pela fragilidade financeira, não baixa a cabeça por nada. Como se discípulos fossem de Joãosinho Trinta e sua famosa frase dizendo que povo é quem gosta de luxo, assim essa ordem social vai vivendo para demonstrar que em nada está aquém daquela endinheirada.
E essa classe endinheirada certamente sequer se aproxima do muito que o pobre faz com tão pouco. Não falta o churrasco domingueiro, a cerveja gelada, o pagode, a festança. E nunca falta o sorriso, a alegria e o trejeito próprio na dança da vida.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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