SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

DO POÉTICO AO VULGAR



*Rangel Alves da Costa


É de Carlos Drummond de Andrade o poema Quadrilha, publicado em 1930, aquele mesmo onde os relacionamentos amorosos se sequenciam para dar em nada: “João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria que amava Joaquim, que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história”.
Como visto, o poema diz que alguém amava alguém, mas que este alguém amava outra pessoa, e esta pessoa já amava outra, e assim por diante. Uma sequência de frustrações, de amores diluídos, de desejos não realizados. É como se na dança amorosa (na quadrilha), alguém fosse deixado para trás por que o outro já deu a mão ao parceiro seguinte, e assim por diante.
Como consequência, sem a permanência, as relações se banalizam e vulgarizam, eis que o que importa mesmo é ir seguido em frente na troca de amores de momento. Tal fragilidade e banalização acabam tornando o amor verdadeiro inexistente e com cada um tomando seu destino na vida e, logicamente, num mundo de entregas e descompromissos.
O poema de Drummond, ainda pareça simplista, é profundo e reflexivo. É até triste e melancólico. Ora, sem a pretensão da banalidade amorosa, mostra o compasso da tentativa da felicidade. Um amor querido e não tido. Um amor negado a um e em nome de outro amor impossível. Gente querendo amar – e amando – pessoas não alcançadas pelas suas vontades. Ou gente que simplesmente decidiu não amar. Mas em tudo as desesperanças e as desilusões, os sonhos e as irrealizações, as negativas e os sofrimentos.
Todos vão tomando seus rumos na vida, todos vão cumprindo seus destinos futuros, mas sem jamais se esquecerem das tentativas amorosas do passado. E talvez o futuro tivesse sido mais melancólico por causa disso, pelas frustrações e os desejos não realizados. Atem mesmo quem não amava ninguém, certamente teve seu sofrimento alentado pela solidão. Mais tarde, talvez tivesse desejado não abdicar de dividir seu coração.
A poesia drummondiana é perfeitamente exemplar. Os amores não são amados pela impossibilidade, ainda que os desejos tenham sido tamanhos e tantos. E neste sentido se contrapõe ao que se tem hoje como relação amorosa, como busca de amor e em meio a banalizações e facilidades. Se o poema diz “João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria que amava Joaquim, que amava Lili...”, a sua reescrita atual seria no sentido de dizer que nem João nem Teresa, nem Raimundo nem Maria ou Lili, amava alguém.
Sim, nenhum amava ninguém, vez que o que se tem atualmente é o amor do momento, do ficar, do transar, e pronto. Poucos ainda querem amar, poucos querem realmente conhecer o sentido e o gosto do amor, poucos querem realmente compartilhar seu coração e sentimentos. Mas muitos - muitos mesmos - querem apenas experimentar, provar, sentir o gosto das banais relações, e que ainda chamam de amor. Por isso logo perguntam se o outro quer fazer amar. Como se faz amor se o amor é construído e não achado feito?
Mas assim a vida e seus desvãos. O que foi o amor e o que se tem como amor. Que bom se João amasse Maria e por ela lutasse, vez que a mesma ama outro. Mas não. João apenas quer transar com Maria. E Maria só quer transar com Pedro. Ou João quer transar com qualquer uma, e Maria e Pedro também. Não mais como uma quadrilha poética de passe e repasse de amores e mãos, mas simplesmente como um jogo de devassidão.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: