*Rangel Alves da Costa
É de
Carlos Drummond de Andrade o poema Quadrilha, publicado em 1930, aquele mesmo
onde os relacionamentos amorosos se sequenciam para dar em nada: “João amava
Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria que amava Joaquim, que amava Lili
que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili
casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história”.
Como
visto, o poema diz que alguém amava alguém, mas que este alguém amava outra
pessoa, e esta pessoa já amava outra, e assim por diante. Uma sequência de
frustrações, de amores diluídos, de desejos não realizados. É como se na dança
amorosa (na quadrilha), alguém fosse deixado para trás por que o outro já deu a
mão ao parceiro seguinte, e assim por diante.
Como
consequência, sem a permanência, as relações se banalizam e vulgarizam, eis que
o que importa mesmo é ir seguido em frente na troca de amores de momento. Tal
fragilidade e banalização acabam tornando o amor verdadeiro inexistente e com
cada um tomando seu destino na vida e, logicamente, num mundo de entregas e
descompromissos.
O poema de
Drummond, ainda pareça simplista, é profundo e reflexivo. É até triste e
melancólico. Ora, sem a pretensão da banalidade amorosa, mostra o compasso da
tentativa da felicidade. Um amor querido e não tido. Um amor negado a um e em
nome de outro amor impossível. Gente querendo amar – e amando – pessoas não
alcançadas pelas suas vontades. Ou gente que simplesmente decidiu não amar. Mas
em tudo as desesperanças e as desilusões, os sonhos e as irrealizações, as
negativas e os sofrimentos.
Todos vão
tomando seus rumos na vida, todos vão cumprindo seus destinos futuros, mas sem
jamais se esquecerem das tentativas amorosas do passado. E talvez o futuro
tivesse sido mais melancólico por causa disso, pelas frustrações e os desejos
não realizados. Atem mesmo quem não amava ninguém, certamente teve seu
sofrimento alentado pela solidão. Mais tarde, talvez tivesse desejado não abdicar
de dividir seu coração.
A poesia
drummondiana é perfeitamente exemplar. Os amores não são amados pela
impossibilidade, ainda que os desejos tenham sido tamanhos e tantos. E neste
sentido se contrapõe ao que se tem hoje como relação amorosa, como busca de amor
e em meio a banalizações e facilidades. Se o poema diz “João amava Teresa, que
amava Raimundo, que amava Maria que amava Joaquim, que amava Lili...”, a sua
reescrita atual seria no sentido de dizer que nem João nem Teresa, nem Raimundo
nem Maria ou Lili, amava alguém.
Sim,
nenhum amava ninguém, vez que o que se tem atualmente é o amor do momento, do
ficar, do transar, e pronto. Poucos ainda querem amar, poucos querem realmente
conhecer o sentido e o gosto do amor, poucos querem realmente compartilhar seu
coração e sentimentos. Mas muitos - muitos mesmos - querem apenas experimentar,
provar, sentir o gosto das banais relações, e que ainda chamam de amor. Por
isso logo perguntam se o outro quer fazer amar. Como se faz amor se o amor é
construído e não achado feito?
Mas assim
a vida e seus desvãos. O que foi o amor e o que se tem como amor. Que bom se
João amasse Maria e por ela lutasse, vez que a mesma ama outro. Mas não. João
apenas quer transar com Maria. E Maria só quer transar com Pedro. Ou João quer
transar com qualquer uma, e Maria e Pedro também. Não mais como uma quadrilha
poética de passe e repasse de amores e mãos, mas simplesmente como um jogo de
devassidão.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário